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SOCIOBIODIVERSIDADE AMAZÔNICA

Design social e gestão de marca valorizam produtos da floresta

Economias locais precisam de apoio para explorar as possibilidades de mercado, avalia professor da UFPA

Ádria Azevedo | Especial para O Liberal

11/04/2024

Cada vez mais, o mundo volta os olhares para a Amazônia. Seja pela importância climática, pelo potencial de sua biodiversidade ou por uma tardia valorização de seus povos tradicionais, a região é um símbolo poderoso em nível global. De acordo com pesquisadores da área, a Amazônia se converteu em uma marca, que agrega valor econômico e simbólico a produtos e serviços e fideliza consumidores.

Otacílio Amaral Filho, professor do Programa de Pós-Graduação em Comunicação, Cultura e Amazônia da Universidade Federal do Pará (UFPA), escreveu um livro sobre a marca Amazônia, resultado de sua tese de doutorado. Na obra, ele discute como ocorre esse processo, que relaciona a região a uma série de representações, como biodiversidade, sustentabilidade, povos tradicionais e floresta.

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Otacílio Amaral Filho, professor da UFPA, escreveu um livro sobre a marca Amazônia, resultado de sua tese de doutorado (Foto: Arquivo pessoal)

O docente explica que o uso da marca Amazônia teve dois momentos. O primeiro foi sua apropriação pelas grandes empresas, que entenderam a valorização dos produtos amazônicos a partir dos discursos da sustentabilidade e responsabilidade social e a exigência, pelos consumidores, de produtos “verdes”.

“O segundo momento é uma inversão desse processo: ao invés das grandes corporações, a marca Amazônia se vira para a cultura das populações originais e tradicionais. Houve uma potencialização em vários setores, como a questão do açaí, do cacau, a culinária de um modo geral, e também aqueles produtos que já eram tradicionalmente conhecidos, da medicina popular, da área de cosméticos. A potência que a marca cria, agora, é a partir da cultura”, analisa o pesquisador.

Nesse sentido, o professor acredita que as economias locais precisam de apoio para o entendimento das possibilidades de mercado, como, por exemplo, a promoção pelo design. “Via de regra, empreendedores e empreendedoras locais carecem dessa expertise, desse conhecimento que pode potencializar seus produtos”, avalia.

Branding

O Parque de Ciência e Tecnologia (PCT) do Guamá, instituição estadual voltada ao estímulo à pesquisa, à inovação e ao empreendedorismo, exerce esse apoio citado por Amaral Filho. O Parque promove capacitações que abordam o branding, que é a forma de gerenciar as estratégias de uma marca, para associá-la a determinadas percepções e ressaltar seus diferenciais em relação a outras marcas. Isso por ser feito, por exemplo, com a construção de uma identidade visual sólida e a disseminação dos valores praticados pela empresa, como responsabilidade social.

José Bonifácio Sena é supervisor de Capacitação e Qualificação do PCT e atua na área de preparação de projetos e indústrias amazônicas para exportação e internacionalização. Ele ministra algumas dessas capacitações que abordam a gestão de marca.

“De que forma a gente consegue trabalhar sua identidade, vincular sua imagem ao ambiente amazônico? Como as empresas da região transformam seu produto em brand (marca), adotam um design diferenciado que gera valor? A gente sabe que quem consome produtos de base sustentável são consumidores mais exigentes, menos sensíveis ao preço. O branding e o design associado a produtos amazônicos fazem com que as marcas penetrem nessas tribos, comuniquem sua imagem, transmitam seu valor”, explica.

De acordo com Sena, dados da Confederação Nacional das Indústrias indicam que investimentos em branding e design alavancam vendas. “Em um relatório sobre desafios das indústrias brasileiras para internacionalização, eles constataram que 75% daquelas que investem em design registram aumento considerável nas vendas. Dessas 75%, 41% conseguem inclusive reduzir custos”, informa.

Ouça o podcast:

“O consumidor acaba preferindo embalagens que têm uma estética melhor, um chamariz, uma preocupação ambiental. Ele está mais disposto a experimentar marcas porque aquela embalagem indica que aquele é um produto que se preocupa com alguma causa ou tem alguma identificação positiva acerca de uma região”, pontua o supervisor.

Com novo visual nas embalagens, associação de Uruará alcança novos mercados

Uma associação agroextrativista de Uruará, no sudoeste paraense, viu seus negócios expandirem a partir da mudança de suas embalagens. Produtos florestais não madeireiros como óleos de copaíba e andiroba, manteiga de cupuaçu e farinha de babaçu, com a nova roupagem conseguiram não apenas um aumento no valor de venda, mas também acesso a novos mercados.

O coletivo Associação Agroextrativista Sementes da Floresta (Aasflor) reúne agricultores e agricultoras familiares de assentamentos da reforma agrária. A organização recebeu consultoria de uma agência paraense de design e gestão de marcas, que ajudou os produtores a mudar o visual dos produtos, garantindo uma identidade que refletisse a essência do trabalho realizado: agroextrativismo com sustentabilidade. Os produtores associados trabalham com reflorestamento, tanto em suas próprias terras, quanto com a doação de sementes para organizações não governamentais (ONGs) que reflorestam áreas degradadas.

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Com as novas embalagens, os produtos da Aasflor foram lançados na 17ª edição da Naturaltech, maior feira de produtos orgânicos e naturais da América Latina, em julho do ano passado, em São Paulo (Foto: Arquivo pessoal)

Élida Moraes, uma das produtoras da Aasflor, conta como ocorreu o processo de renovação do visual da marca. “Em 2021, recebemos a vista da Synergia, uma empresa de consultoria socioambiental. Firmamos uma parceria em 2022, e um dos apoios propostos foi a melhoria das embalagens dos produtos, para que ficasse visível não apenas o conteúdo de cada um, mas também a representação do trabalho socioambiental que realizamos”, conta Élida.

A Aasflor recebeu a consultoria da Libra Branding, que realiza o trabalho chamado de design social junto a comunidades amazônicas. “Chamamos de design social os projetos que beneficiam grupos, cooperativas e associações que têm produção em pequena escala e que atuam com insumos locais, buscando agregar valor por meio do design a esses produtos. É um trabalho financiado por grandes empresas, instituições ou projetos, sejam nacionais ou internacionais, como forma de gerar benefícios para as comunidades locais”, explica Aline Paes, estrategista de marcas e uma das sócias da agência.

O projeto foi financiado pela Synergia. As embalagens foram melhoradas e os rótulos adaptados tecnicamente. Com as novas embalagens, os produtos da Aasflor foram lançados na 17ª edição da Naturaltech, maior feira de produtos orgânicos e naturais da América Latina, em julho do ano passado, em São Paulo.

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A Associação Agroextrativista Sementes da Floresta (Aasflor) reúne agricultores e agricultoras familiares de assentamentos da reforma agrária (Foto: Arquivo pessoal)

Élida conta que a associação já havia participado de feiras locais, em cidades vizinhas, mas que a presença na Naturaltech foi uma virada de chave. “Tivemos ótimos resultados, mais visibilidade sobre o trabalho de preservação que fazemos e parcerias para vender nossos produtos em São Paulo. Nossas redes sociais também movimentaram mais, pois até então tínhamos poucos seguidores”, recorda.

Design social é construído com as comunidades

O trabalho de design social é construído junto às comunidades atendidas. “Uma parte muito importante desse trabalho é que a gente vai até a comunidade e é feita uma co-construção. Não é algo que a gente cria e eles aprovam e recebem. É muito importante para essas comunidades que elas estejam de fato representadas naquilo que comercializam”, destaca Aline Paes. “Então, a gente faz essa imersão, vivencia um pouco da realidade delas, faz o nosso processo de fórum criativo, em que elas participam ativamente. O objetivo final é sempre que os produtos carreguem o máximo de representatividade possível daquele território”, completa.

Para Élida Moraes, o trabalho revelou o grande potencial da Aasflor. “O processo todo, desde a construção até a entrega do produto final, demorou cerca de quatro meses. Ele deu visibilidade, abriu portas e também reanimou a equipe de associados agroextrativistas a continuar produzindo com sustentabilidade”, comemora.

Produtos mostram o território de onde vieram

Para Aline Paes, o trabalho de design social é uma forma de agregar valor aos produtos da sociobiodiversidade amazônica, como apontado por Amaral Filho e Sena. “A gente pega um produto como um óleo de copaíba, andiroba, que é produzido aqui, e cria uma nova embalagem, tornando o produto mais atrativo, para que quando ele vá para uma gôndola de um estabelecimento comercial, seja na região, ou seja fora dela, ele consiga se destacar visualmente. Mas, mais do que se destacar, que ele conte uma história, mostre o território de onde ele veio, carregue na embalagem um pouco dessa essência”, diz a estrategista de marcas.

Ela ressalta que a melhor apresentação do produto reverbera também no preço. “A Aasflor antes vendia o produto a um determinado valor, mas conseguiram aumentar. Isso gera mais benefícios para aquela comunidade, que vai conseguir aumentar a capacidade produtiva e gerar um ciclo de crescimento para aquele território e aquelas pessoas”, afirma.

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“A gente pega um produto como um óleo de copaíba, andiroba, que é produzido aqui, e cria uma nova embalagem, tornando o produto mais atrativo, para que quando ele vá para uma gôndola de um estabelecimento comercial, seja na região, ou seja fora dela, ele consiga se destacar visualmente. Mas, mais do que se destacar, que ele conte uma história" (Foto: Arquivo pessoal)

“Então, isso quebra uma barreira. Porque, durante muito tempo, as empresas de fora só vinham comprar os insumos e pagar valores ínfimos para as comunidades. Mas agora essas comunidades percebem que podem ter suas próprias marcas e atingir novos mercados, a partir dos nossos insumos, do nosso território, com a nossa mão de obra local, com toda experiência e conhecimento tradicional”, avalia Aline.

“Faz bem”

Élida Moraes acredita que existe, atualmente, uma valorização dos produtos da sociobiodiversidade amazônica. “Brilham os olhos de quem vê os produtos. Eles são produzidos junto com a floresta em pé, então faz bem para quem usa e também para o mundo. E o design social impulsiona muito, porque é construído junto às comunidades tradicionais e, portanto, a marca leva impressa a vida dos povos, da fauna, da flora, representando todo o nosso bioma amazônico”, finaliza.