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DESENVOLVIMENTO

Pesquisa precisa superar desafios na região amazônica

Laboratórios desatualizados, estruturas sem manutenção, déficit em bolsas de incentivo e desvalorização profissional são algumas das dificuldades encontradas por quem produz conhecimento no bioma

Camila Azevedo

25/04/2024

Fazer pesquisa na Amazônia significa que, para apresentar resultados que tragam desenvolvimento e melhoria de vida à população que faz parte do bioma, há a necessidade de investimentos para enfrentar as condições em que as instituições focadas neste trabalho estão inseridas. Para 2024, por exemplo, no mínimo R$ 246 milhões são necessários em recursos a serem repassados para apenas três dos vários polos destinados à produção de conhecimento na região: a Rede Bionorte, o Parque de Ciência e Tecnologia Guamá (PCT) e o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG).

Diversas são as fontes da verba, entre elas, o Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI), que possui orçamento de R$ 418 milhões para toda a Amazônia durante este ano. Apesar do valor ser 81% maior do que o disponibilizado em 2023, ainda não é suficiente para suprir todas as lacunas que a pesquisa na região tem. A desvalorização sofrida pelos profissionais, a falta de equipamentos, estruturas sem manutenção, déficit nas bolsas de incentivo e os laboratórios defasados continuam fazendo parte da rotina das instituições e travam projetos que poderiam contribuir para o crescimento do bioma.

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No mínimo R$ 246 milhões são necessários em recursos a serem repassados para apenas três dos vários polos destinados à produção de conhecimento na região: a Rede Bionorte, o Parque de Ciência e Tecnologia Guamá (PCT) e o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG) (Foto: Carmem Helena / O Liberal)

Em uma comparação com os demais locais do Brasil, a Amazônia também tem sofrido as diferenças, apesar de ser a região mais biodiversa do mundo e abrigar a maior floresta tropical do planeta. Dados da Secretaria Especial de Assuntos Estratégicos da Presidência da República e do MCTI apontam que, em 2011, o Norte possuía 4,5% dos doutores do Brasil, número que caiu para 3,2% em 2019. Já entre 2006 e 2022, o artigo Financiamento público brasileiro para pesquisa de biodiversidade na Amazônia mostra que o bioma recebeu apenas 10% dos subsídios federais para financiar estudos.

Bolsas

Recentemente, a Bionorte, rede de pesquisa científica criada em 2008, que reúne 43 instituições ao longo dos nove estados da Amazônia Legal - Amazonas, Acre, Rondônia, Roraima, Pará, Maranhão, Amapá, Tocantins e Mato Grosso -, foi contemplada com um aumento de 100% nas bolsas de Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (Capes). O incentivo faz parte das iniciativas do Ministério da Educação (MEC) para fomentar a pesquisa no país. Em 2023, R$ 218,2 milhões foram destinados pela pasta para a pós-graduação da região.

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Nosso papel é muito importante no sentido de tentar formar recursos humanos de alta qualidade, com nível de doutorado, para alavancar o desenvolvimento socioeconômico da região”, diz Sandro (Foto: Arquivo pessoal)

Ao todo, são 7,2 mil bolsas de mestrado, doutorado e pós-doutorado para os estados da Amazônia em programas estratégicos e institucionais, mas entidades como a Bionorte ainda não tiveram a totalidade de seus alunos atendidos, outro fator que pode travar a pesquisa: a rede possui 446 pós-graduandos em todas as unidades, sendo 108 com incentivos do Capes. No entanto, Sandro Percário, coordenador-geral da instituição, diz que o aumento recebido já conseguiu alcançar aqueles que não têm vínculo empregatício ou não recebem nenhum recurso financeiro. “Isso é muito importante, por causa das distâncias da Amazônia”.

“Nossos alunos têm que viajar em canoas e barcos para chegar alguns dias depois na capital em que [o curso] é ofertado. Até fevereiro de 2022, tínhamos apenas 45 cotas de bolsa Capes para um contingente de cerca de 440 alunos de doutorado. Isso representava 10% do total. Em 2023, houve um rearranjo e a Bionorte passou para 54. Ainda assim, muito aquém das nossas necessidades naquele momento. Nosso papel é muito importante no sentido de tentar formar recursos humanos de alta qualidade, com nível de doutorado, para alavancar o desenvolvimento socioeconômico da região”, completa Sandro.

Biodiversidade e bioeconomia para fortalecer a Amazônia

O foco dos trabalhos da Bionorte é a integração entre a biodiversidade amazônica e a biotecnologia. O resultado dos estudos é a produção de bioprodutos e bioprocessos que possam beneficiar e favorecer a sociedade da região. “Por exemplo, o desenvolvimento de um medicamento novo, um cosmético, algo dessa forma que beneficia e gera recursos econômicos a partir desses produtos e processos. Também temos preocupação com a proteção das comunidades amazônicas e isso é feito através da articulação com essas pessoas”, explica o coordenador-geral da rede.

Em um período de três anos, a Bionorte precisaria de R$ 600 milhões para alavancar essas iniciativas que estão em andamento e destravar as que ficaram paradas devido à falta de recursos. O investimento seria voltado para infraestrutura de espaços destinados à pesquisa na região. “Este valor permitiria a modernização de mais de 240 laboratórios em 43 instituições dos nove estados da Amazônia Legal, bem como a aquisição de insumos para pesquisa, de forma a garantir a realização de diversos projetos que estão parados e a realização de outros pelos próximos três anos”, enfatiza.

Carência

Segundo Sandro, a última vez em que a instituição recebeu investimentos diretos foi entre 2011 e 2013. “Temos uma grande carência de recursos, embora existam diversos projetos, isso é muito pouco diante do que é necessário. Em 2019, o Ministério da Ciência e Tecnologia investiu cerca de R$ 12,5 bilhões na região Sudeste. No norte, R$ 800 milhões, menos de 8%. Isso foi todo o recurso da região amazônica. Os recursos não vem pra cá, por isso que os laboratórios de pesquisa nossos são carentes. Se viessem, garantiriam que chegássemos ao nível dos centros do Sudeste”, completa.

Processos precisam de resultados que cheguem à população

A insuficiência dos recursos que chegam para a Amazônia também é uma realidade encarada pelo PCT Guamá. O espaço foi o primeiro a entrar em operação no Norte do Brasil e tem como principal objetivo estimular a pesquisa aplicada e o empreendedorismo inovador e sustentável. São mais de 40 empresas, 60 associados e 12 laboratórios voltados para o desenvolvimento de processos e produtos. Para 2024, a instituição tem a expectativa de iniciar a construção do Prédio Espaço Sustentabilidade, estimado em R$ 11 milhões, e necessita de mais R$ 6 milhões para outras atualizações necessárias.

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São mais de 40 empresas, 60 associados e 12 laboratórios voltados para o desenvolvimento de processos e produtos (Foto: Carmem Helena / O Liberal)

Milksom Campelo, gerente de Prospecção, Transferência e Tecnologia de Negócios da Fundação Guamá, que administra o PCT, considera que, de fato, os investimentos que acontecem em ciência e tecnologia não são suficientes para a realidade do dia a dia. “Nós vivemos um contexto em que emerge uma crescente necessidade de investimento de forma constante. Por quê? O instituto de ciência, tecnologia e inovação tem feito um trabalho grandioso no processo de desenvolvimento tecnológico, mas esse processo só é válido quando ele consegue chegar até a ponta, consegue ser transferido e aplicado”, pontua.

“Quando ele atinge esse nível, começa a gerar mudanças no perfil de atuação das empresas da região Norte e Amazônia, que passam a produzir de forma mais concisa e sustentável, gerando produtos e soluções de alto impacto. Isso tudo a gente consegue a partir de investimentos qualificados”, diz Campelo. “Historicamente, esses investimentos acontecem, de fato. Temos a níveis estadual, federal, privados… Mas ainda hoje é um desafio, uma ferramenta grandiosa com mais de 40 empresas, com 11 laboratórios, 11 mil pessoas circulando diariamente, necessita de um constante investimento”, adiciona.

Desafios

Milksom elenca alguns desafios centrais encontrados no PCT para fazer e manter as pesquisas que o parque possui: a falta de abertura de processos com foco nas especificidades da Amazônia, as dificuldades de integração entre o setor produtivo e os estudos sobre tecnologias e inovação. “No início da operação, recebemos um grande volume de recursos. Foram milhões de investimentos em equipamentos. Hoje, há uma necessidade de manutenção desses equipamentos e manutenção dos espaços físicos se faz necessárias. Para isso, a constância em investimentos é fundamental”, destaca.

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O Laboratório de Óleos da Amazônia (LOA), da Universidade Federal do Pará (UFPA), é um dos espaços que funciona e presta serviços dentro do PCT Guamá (Foto: Carmem Helena / O Liberal)

“A gente garante a qualidade na pesquisa. Além disso, é imposto que a gente compreenda que, além desses investimentos, em parte estruturais e em laboratórios, há uma consciência estratégica. É importante que os laboratórios não reflitam apenas espaços físicos, mas sejam entendidos como instrumentos chaves de transformação para o desenvolvimento regional através de inovação e tecnologia. Quanto mais tecnologia, mais pesquisa tivermos, mais segurança vamos ter para os nossos meios de produção”, conclui Milksom.

Laboratório do PCT tem equipamentos parados

O Laboratório de Óleos da Amazônia (LOA), da Universidade Federal do Pará (UFPA), é um dos espaços que funciona e presta serviços dentro do PCT Guamá. O professor Luís Adriano Nascimento é vice-coordenador do local e, de acordo com ele, o déficit orçamentário anual está sendo um empecilho para que alguns equipamentos funcionem. “Estamos recebendo em torno de R$ 210 mil [nos últimos três anos], o que dá uma média de R$ 70 mil por ano de projetos que a gente tem aprovado em chamadas públicas. A gente precisaria de mais, temos equipamentos parados”, lamenta.

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“O ideal seria que a gente tivesse, não apenas bolsas para os alunos, mas também recursos para comprar e consertar equipamentos”, diz Luiz (Foto: Carmem Helena)

A quantidade de investimentos privados que o LOA tem conseguido, também nos últimos três anos, é de R$ 150 mil. Segundo o vice-coordenador, muito mais poderia ser feito pelo laboratório, mas o alto custo em manutenção de equipamentos é uma dificuldade. “Esses equipamentos seriam importantes para avançar ainda mais nas pesquisas, para inovar a geração de novos produtos, novos bioplásticos, por exemplo, novos materiais, outros tipos de aplicações voltados para o desenvolvimento de produtos sustentáveis. Tudo isso poderia ser feito com muito mais caso a gente tivesse mais recursos”.

Para ele, a principal dificuldade para continuar as pesquisas na Amazônia está na falta de mais chamadas estaduais. "O ideal seria que a gente tivesse, não apenas bolsas para os alunos, mas também recursos para comprar e consertar equipamentos. Essa é uma das grandes dificuldades que nós temos hoje, a falta de recursos para aquisição de novos equipamentos e para manutenção desses materiais”, complementa Luís.

Goeldi

O déficit orçamentário de R$ 15 milhões que o MPEG, o segundo maior da história do Brasil, tem, está sendo um empecilho para que as despesas do local sejam pagas. O ideal, por ano, conforme Nilson Gabas Júnior, diretor da instituição, seria um investimento de R$ 30 milhões, valor direcionado para mais produção de conhecimento, produtos à população, educação científica e recursos humanos. Porém, apenas metade disso tem chegado. “As nossas despesas fixas, nós não estamos tendo capacidade de pagar. Tivemos um corte desde a aprovação da Lei Orçamentária Anual de quase dois milhões”, aponta.

A previsão do diretor é que essas despesas, referentes a segurança, pagamento de terceirizados, limpeza, exposições científicas e energia, sejam possíveis de serem pagas até setembro. O museu tem recebido quantidade fracionada por mês para lidar com todas as demandas. “Tem sido bastante difícil trabalhar sob essa perspectiva de que nós não podemos manter os nossos contratos de terceirização e eu não tenho condições sequer de induzir pesquisas. A gente sabe que tem áreas do conhecimento e áreas em que é preciso você produzir conhecimento especificamente”, lamenta Gabas.

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. “Tem sido bastante difícil trabalhar sob essa perspectiva de que nós não podemos manter os nossos contratos de terceirização e eu não tenho condições sequer de induzir pesquisas", lament Gabas (Foto: Carmem Helena / O Liberal)

Políticas públicas

Na contramão da falta de recursos necessários, Nilson ressalta que bons resultados estão sendo vistos nas pesquisas feitas pelo MPEG. Uma delas é uma parceria com o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade (Ideflor-Bio) para atualizar a lista de espécies ameaçadas no Pará. “O monitoramento da lista de espécies ameaçadas de extinção no Pará é uma coisa que, no máximo a cada quatro anos, tem que ser feita. Há quase 14 anos que não vinha sendo feita. Então, pelo menos agora, no âmbito do componente de flora, nós já assinamos o contrato, os repasses já estão sendo feitos e as pesquisas já estão iniciando”, informa.