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Eleições 2022

Amazônia pelos olhos dos presidenciáveis

Saiba o que pensam e prometem os principais candidatos à presidência da República para a região que ocupa quase 60% do território nacional e reúne mais de 29 milhões de habitantes

Ana Danin

01/10/2022

Domingo, 2 de outubro, é o dia em que mais de 156 milhões de brasileiros têm nas mãos o direito de escolher, por meio do voto, os políticos que vão liderar e decidir os rumos do país e dos estados da federação, a partir de 1º de janeiro de 2023. Segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), 156.454.011 pessoas estão aptas a votar nestas eleições, número que é 6,21% superior ao do pleito de 2018. Desses, 20 milhões representam o eleitorado dos nove estados que integram a Amazônia Legal (Pará, Amazonas, Acre, Amapá, Rondônia, Roraima, Tocantins, Maranhão e Mato Grosso). Pessoas que vivem e trabalham em uma região de paradoxos, convivendo com uma grande riqueza natural e biodiversidade, potencial econômico, mas que ainda concentra índices de desenvolvimento humano e social extremamente baixos.

Ao longo deste ano, o Grupo Liberal, do Pará, por duas vezes, abriu espaço para os principais candidatos à presidência da República apresentarem sua visão e caminhos pensados para a região Amazônica. No primeiro semestre, com entrevistas exclusivas com todos os então pré-candidatos; e em setembro, dentro do projeto “Propostas para a Amazônia”, realizado em parceria com veículos de comunicação dos demais oito estados da região. Neste último encontro, foram ouvidos especificamente os candidatos Felipe D’Avila (NOVO), Ciro Gomes (PDT) e Soraya Thronicke (União Brasil). Os candidatos Lula (PT), Jair Bolsonaro (PL) e Simone Tebet (MDB), acabaram abrindo mão do espaço por incompatibilidade de agenda.

Temas recorrentes em relação à Amazônia, pelos presidenciáveis, foram reunidos e  resumidos nesta reportagem, como forma de apresentar as percepções sobre a região e seus desafios. 

Ciência, soberania nacional e narcotráfico em destaque  

Alguns temas permearam os posicionamentos dos três candidatos com maior destaque nas pesquisas eleitorais, em relação à Amazônia. Para Luiz Inácio Lula da Silva, o investimento em pesquisa científica é fundamental na região. Na entrevista, no primeiro semestre, ele ressaltou isso. “A pessoas têm que entender que, se a gente investir corretamente em pesquisa, a biodiversidade causada pelo ecossistema amazônico pode permitir que a gente faça disso uma fonte de enriquecimento do povo da região da Amazônia” destacou - voltando ao tema em sua última visita à capital paraense antes das eleições, em setembro. “Nossa floresta não será mais um lugar para ser queimada ou derrubada. Ela vai ser estudada e pesquisada para sabermos como, por meio da biodiversidade, conseguimos melhorar a vida de milhões de pessoas que aqui vivem”, afirmou. 

Já a soberania da Amazônia é tema recorrente do candidato Jair Bolsonaro e, na entrevista ao grupo Liberal, não foi diferente. Bolsonaro fez menção à última visita à Russia, antes da guerra contra a Ucrânia, quando ele agradeceu ao presidente russo, Vladimir Putin, pelo posicionamento em relação à Amazônia. “Em dois momentos, por ocasião da discussão do clima no mundo, outros países, como França, Reino Unido, Estados Unidos, eles querem relativizar a nossa soberania sobre a Amazônia. E o Putin, com seu poder de veto, disse que a Amazônia pertencia aos brasileiros, e aquela discussão não prosseguiu. Ou seja, o pessoal lá de fora  de olho na região amazônica (....). Se nós aqui relaxarmos, entrarmos no discurso do politicamente correto, nós temos tudo para perder a nossa soberania sobre a Amazônia”, afirmou. 

A preocupação com a defesa do território da Amazônia Legal, em relação ao crime organizado, está entre os temas destacados durante a entrevista do candidato Ciro Gomes, no início de setembro. “Hoje, parte importante da Amazônia é território controlado pela ‘holding do crime’. Ali, no Alto Solimões, onde está Tabatinga, onde mataram o Tom Philips, onde mataram aquele companheiro da Funai, ali é a ‘holding do crime’. É o narcotráfico lavando o dinheiro com caça e pesca ilegal, com garimpo ilegal, com exploração, sabe, de contrabando de madeira. (...). Evidentemente, FUNAI desmantelada, ICMBio desmantelado, os órgãos de comando e controle do IBAMA completamente desmantelados. É isso que nós precisamos resolver no Brasil”, destacou.

3-combate incêndio florestal no Parque Indígena do Xingu, no Mato Grosso - VINÍCIUS MENDONÇA - IBAMA.jpg
Foto: Vinícius Mendonça - IBAMA

O desafio de preservar e produzir na região amazônica

Um ponto comum nas entrevistas de todos os candidatos foi a questão de como desenvolver a Amazônia sem elevar, e ainda conseguindo deter, os impactos ambientais provocados pela ação humana da região. Veja, abaixo, o que cada um falou sobre o desafio de preservar e produzir: 

● Ciro Gomes: “Nós podemos desenvolver a Amazônia e termos, ao mesmo tempo, uma excelente, modelar, exemplar resposta para o mundo, que se preocupa com a sustentação ambiental, com a descarbonização da economia, com os protocolos que o Brasil assinou em Kyoto, renovou em Paris. Enfim, tudo isso o Brasil tem capacidade, como nenhuma outra nação do mundo, de liderar, e não de ser, hoje, uma espécie de pária internacional. (...) Eu pretendo reconciliar o Brasil. Como é que eu quero fazer isso? Bom, primeiro estabelecer um zoneamento econômico ecológico que seja decidido junto com a inteligência científica acadêmica e com a liderança comunitária, política e dos povos tradicionais da Amazônia. (...) Então é descer no território, ‘olha, aqui pode, aqui não pode’, e fazer uma grande reconversão produtiva”.  

● Felipe D'Avila: “Nós precisamos focar num plano de Estado para fazer o Brasil ser a primeira grande economia carbono zero do mundo. Está no meu plano de governo e nós temos um plano pra fazer isso. Para se ter uma ideia, hoje, 80% da emissão de gás efeito estufa no mundo é por causa de emissão de energia fóssil. No Brasil, é mau uso do solo. (...) Primeira coisa que nós temos que fazer para o Brasil ser essa nação carbono zero é plantar árvore em terra degradada. (...) Segundo ponto importante que nós temos de fazer aqui: é mais Estado, mais Estado para combater o desmatamento. É inacreditável um Brasil que está desmatando mais de 8 mil km². (...) Portanto, temos sim de combater o desmatamento, temos de investir nessa questão da silvicultura. E, por último, pegar todo o potencial da Amazônia e focar na sua vocação econômica local. A sua vocação econômica local é o que eu chamo de economia verde. É o emprego verde.”

● Jair Bolsonaro: “No Canadá, os indígenas que têm suas terras demarcadas, eles produzem. Se você adentrar uma terra indígena no Canadá e ninguém dizer (sic) que é uma terra indígena, ninguém vai saber, porque é tudo parecido, como um todo. Nós queremos que o Brasil comece a agir dessa mesma maneira. Por isso, no início do ano passado, entramos com um projeto de lei dando autonomia aos indígenas poderem explorar sua terra, da mesma forma que um fazendeiro faz, ali, vizinha a essa terra indígena. Essa liberdade é que estamos dando para os nossos irmãos. E, hoje em dia, já tem um percentual muito grande de indígenas que estão trabalhando em suas propriedades, como lá os Parecis, em Mato Grosso. E queremos fazer isso em todo o Brasil. Obviamente, quero deixar isso bem claro, que no projeto de lei, caso se transforme em lei um dia, o indígena vai ter autonomia sobre a sua terra. Ela só será explorada se a comunidade assim o desejar”.

● Lula: “A questão ambiental é uma questão crucial porque os produtores rurais, que são profissionais que têm compromisso com esse país e que querem continuar vendendo seus produtos no exterior, sabem que nós precisamos combinar a nossa capacidade produtiva com a nossa capacidade de preservação ambiental. O Brasil não precisa derrubar uma árvore. O Brasil tem terras degradadas, abandonadas, que o Brasil pode recuperá-las para plantar o que quiser, para criar gado, para plantar soja, para plantar milho sem ofender a floresta. As pessoas têm que entender que, se a gente investir corretamente em pesquisa, a biodiversidade causada pelo ecossistema amazônico pode permitir que a gente faça disso uma fonte de enriquecimento do povo da região amazônica. O Brasil precisa parar de ser ignorante. O governo não pode deixar de pensar de que a gente pode usar a nossa biodiversidade para melhorar a vida do povo.” 

 ● Simone Tebet: “Ninguém vai investir em um Brasil que tem a imagem equivocada de que não cumpre com as regras do meio ambiente. Então, a gente tem que preservar sim a Amazônia, mas, repito, com responsabilidade. A gente sabe que um dos piores IDHs (Índice de Desenvolvimento Humano) é na Amazônia Legal, portanto, um dos menores índices de desenvolvimento humano. Mas, é possível transformar a floresta em algo que dê qualidade de vida para as pessoas - e não vai ser derrubando as florestas. Vai ser preservando as florestas e explorando o que elas têm de melhor - o açaí é um exemplo disso, o cacau é outro exemplo disso, o peixe, que os rios caudalosos da amazônia legal são capazes de produzir, tudo com sustentabilidade, com racionalidade. O que não pode é meia dúzia de mineradores ilegais, meia dúzia de grileiros, que invadem que destroem o meio ambiente, destruir a imagem dos estados da Amazônia Legal e também destruir a imagem do agronegócio brasileiro que é sério.” 

● Soraya Thronicke: “Para que seja possível uma preservação adequada, nós precisamos refazer todo um planejamento e começar com a regularização fundiária para que consigamos separar o joio do trigo. As áreas, devidamente tituladas, somente nelas é possível identificarmos os responsáveis e acabar com o desmatamento ilegal e separar quem produz de forma ilegal e quem produz de forma legal e responsabilizarem (sic) essas pessoas. Mas, aqueles de boa fé, precisam ter condições sim de produzir. A questão é estimular a bioeconomia e a implantação de planos de manejo florestais, para que a floresta seja um ativo econômico. E diminuir toda a pressão do desmatamento ilegal. E, mantendo essa floresta em pé, permitindo que produzam nessas florestas, respeitando o bioma, enfim, nós precisamos dar esse estímulo e certos estímulos foram cortados do governo, do orçamento do atual governo. Isso é um problema muito grave.”

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Foto: Felipe Werneck - IBAMA

Demarcação de territórios e garimpo ilegal em terras indígenas 

A questão dos povos tradicionais também foi bastante mencionada nas entrevistas dos candidatos à Presidência do Brasil. O destaque foi para a situação dos povos indígenas, que têm sido alvos constantes de avanço sobre suas terras, especialmente de ações relacionadas às atividades de pesca predatória e garimpo ilegal. Veja, abaixo, alguns pontos destacados pelos presidenciáveis: 

● Ciro Gomes: “Você tem um problema grave de a gente achar qual é o caminho de equilíbrio entre ocorrências minerais sensíveis em unidade de conservação, ou, e especialmente, em unidades de proteção das populações tradicionais. Eu visitei, muitos anos atrás, os Cinta Largas, em Rondônia. Ali, você tinha uma ocorrência de diamantes e era uma coisa absolutamente chocante: você achava a pedra de um diamante que vale, sabe, milhares de reais e, de repente, porque estava dentro de uma unidade indígena, você não pode explorar. Resultado, os próprios Cinta Largas acabaram sendo vítimas de um processo de exploração, de contrabando, e o Brasil não organizou isso.”

● Felipe D'Avila: “Primeira coisa que nós precisamos fazer: demarcação das terras - tem que terminar isso. Segunda coisa, eles é que têm que decidir o futuro deles. Eles é que têm que escolher. Nós temos mania de fazer com que os indígenas tenham, assim, duzentas instituições, ONGs, governo, todo mundo falando em nome deles. Mas eles têm que falar em nome deles. Nós temos de entender os indígenas, como pessoas responsáveis, que entendem, melhor do que ninguém, o que é melhor para eles. Então, a exploração de atividades sustentáveis é algo fundamental, que é para eles decidirem e não para nós decidirmos. O que é preciso, evidentemente, é ter, depois que eles decidirem que eles querem uma determinada atividade - até mesmo o garimpo legal, não o ilegal -, ou exploração de outras atividades, aí sim, a regulamentação, a lei, em caso de garimpo, autorização do Congresso Nacional, mas eles é que precisam ser ouvidos.” 

● Jair Bolsonaro: “A região amazônica comporta quase 30 milhões de brasileiros. E nós não podemos deixar essas pessoas esquecidas. A partir de 92, houve uma grande corrida, que nós conhecemos aqui como ‘indústria das demarcações de terras indígenas’. E, praticamente, não existe terra indígena em solo e subsolo pobre, tudo tem seus interesses. Por exemplo, ali na foz do rio Madeira, temos áreas riquíssimas de potássio - mineral esse que nós importamos, na quase sua totalidade, e é essencial para a nossa agricultura. No começo do ano passado, com esse projeto nosso de poder o indígena, se assim o desejar, explorar sua propriedade, vai nos dar autossuficiência nisso, que é essencial para a nossa agricultura. Agora, essa indústria de demarcação de terras indígenas não nasceu no Brasil, vem de fora para dentro. Ou seja, países importantes, que concorrem com o Brasil na questão do agronegócio, por exemplo, têm interesses - via suas ONGS, de trabalhar aqui no Brasil para que nós não consigamos evoluir. E fazem uma campanha negativa enorme contra o Brasil.”

● Lula: “Nós vamos ter que construir um novo Brasil. E construir um novo Brasil, em 2023, significa a gente colocar a questão ambiental em qualquer discussão que a gente faça para discutir administração, desenvolvimento e investimento no Brasil. Esse é um compromisso do meu partido, é um compromisso que eu tenho com o pessoal que luta, que briga e que morre defendendo a questão ambiental. Não tem essa de ‘vamos arrebentar a cerca’. Não tem essa de ‘vamos invadir as terras indígenas para fazer garimpo’. Não. Nós vamos proteger as terras indígenas e não vai ter mais o assalto que o garimpo está tendo nas terras indígenas do Brasil, como eu falei para vocês, agora há pouco, do rio Tapajós. Eu já tive o prazer de tomar um banho nas águas azuis do rio Tapajós, eu não posso conceber a ideia de que aquela água está barrenta, eu não posso conceber a ideia que aquela água está recebendo mercúrio. Não é possível.” 

● Simone Tebet: “(Sobre o projeto de Lei que autoriza a mineração em terras indígenas) Se nós aprovarmos esse projeto, só para você ter uma ideia, acho que tem duas coisas que precisamos pontuar: primeiro que o Pará e os estados da Amazônia Legal correspondem a 60% do tamanho do Brasil, então, tem muita área aí que não é área de reserva indígena. Segundo ponto, eles querem utilizar isso para falar o seguinte: ‘nós precisamos de potássio para colocar na plantação’. Eu conheço bem o agronegócio porque eu sou ‘do interior do interior’ do Brasil (...). Eu posso garantir para vocês que é importante sim o fertilizante, nós precisamos sim de fertilizante, não tem comida na mesa - mas, a maior parte do potássio do Brasil não está dentro das reservas legais. Isso é uma desculpa para entrar com a mineração ilegal nas aldeias indígenas”. 

● Soraya Thronicke: “Já cerca de 13% do território nacional foi destinado aos indígenas e nós aprovamos, nós elegemos uma Assembleia Nacional Constituinte e aprovamos. O marco temporal está dentro da Constituição, então, eu não entendo porque voltar a discutir isso. Ali, não há nenhuma ilegalidade, há, sim, constitucionalidade em relação ao marco temporal. Nós temos que respeitar, acima de tudo, a nossa Constituição. E, mais do que aumentar, cada vez mais o território, nós temos que ver a condição de vida dessas pessoas. E, por isso, temos que acompanhá-los no desenvolvimento deles, para que eles possam produzir ali nas suas terras de forma sustentável, legalizada e que possam prosperar. Esse é o fundamental. Não adianta a gente aumentar a demarcação de terras indígenas e essa parte da população continuar numa situação de miséria. É inaceitável isso, não faz sentido, é contraditório. Então, para que discutir isso se o que eles têm ali não conseguem sequer prosperar dentro do que já têm?”

Sobre as entrevistas com os presidenciáveis

Todas as entrevistas com os presidenciáveis estão disponíveis no YouTube do grupo Liberal

As entrevistas realizadas no início do ano, quando as candidaturas ainda não havia sido oficializadas, contemplaram ainda outros pré-candidatos e abordaram mais as expectativas diante do cenário político que se desenhava. Já as entrevistas do projeto “Propostas para a Amazônia”, em setembro, foram feitas considerando os candidatos melhor colocados nas pesquisas eleitorais. Temas como narcotráfico, infraestrutura, saúde, educação e o Fundo Amazônia, dentre outros tópicos, também foram abordados nas entrevistas, que, em média, tiveram uma hora de duração. 

Por meio do projeto Amazônia Check, parceria do Grupo Liberal com o programa “Jogo Limpo”, do YouTube Brasil, você também tem acesso à checagem especializada e jornalística sobre temas referentes à Amazônia abordados por presidenciáveis em vídeos exibidos durante a campanha eleitoral. O link para o projeto também está disponível em www.oliberal.com