As árvores são necessárias para a manutenção da vida humana na Terra. O primeiro motivo é porque sequestram carbono por meio da fotossíntese, um ativo cada vez mais importante em tempos de mudanças climáticas.
Além disso, as florestas são abrigos de biodiversidade, especialmente de frutos, folhas, raízes e animais. E, por fim, as árvores geram renda, seja por meio da semente de tucumã, que vira hidratante e perfume, ou através da bioeconomia, com famílias colhendo castanhas para vender em centros urbanos, por exemplo.
Não é à toa que o interesse em plantar árvores em áreas degradadas só aumenta na Amazônia. É o chamado reflorestamento, uma tarefa que não é fácil, pois inclui reconhecer áreas anteriormente utilizadas para pastos ou degradadas e estudar espécies vegetais e sementes aptas para se desenvolver no solo da região.
EXEMPLO
Instalada há mais de 40 anos no município de Oriximiná, no oeste paraense, a Mineração Rio do Norte (MRN) reflorestou, no ano passado, 362 hectares, equivalente a um pouco mais de cerca de 360 campos de futebol. No total, 492 mil mudas de 101 espécies nativas foram fincadas no solo em um processo que começa logo após a extração da bauxita. E todas são produzidas no viveiro florestal da empresa, que tem capacidade para gerar até um milhão de mudas por ano. O trabalho exige esmero. Há o beneficiamento e triagem de sementes, preparo do substrato, sementeiras, berçários e paciência para que as mudas estejam maduras o suficiente para o plantio.
“Da germinação, elas passam para a etapa de repicagem, quando colocamos a plântula, o primeiro estágio da planta depois que brota da semente, da sementeira em um saquinho. Aí inicia-se a etapa de aclimatação, quando transportamos as mudas de um espaço para o outro. Em seguida, passamos para a seleção e, por último, a rustificação, quando as mudas são deixadas sob o sol para se adaptar à realidade nas áreas de mina”, explica a engenheira florestal da MRN, Fabrícia Reges.
É um trabalho que gera emprego e renda a cerca de 70 moradores da região. Um deles é Américo Tavares, que atua há dez anos na iniciativa. "Cuidar desse viveiro é um privilégio. Para mim, trabalhar aqui é um orgulho por cuidar das plantas e prepará-las para, na época do reflorestamento, já estarem selecionadas. Visitei os locais que já passaram pelo processo de replantio. Quando voltei e vi a área reflorestada, fiquei muito emocionado ao lembrar que aquelas árvores, que começaram tão pequenas, já estão enormes e dando frutos”, diz.
Uso de plantas nativas e monitoramento regular são fundamentais
Hoje, a MRN adota uma abordagem de recuperação de áreas que se baseia no plantio de espécies nativas, excluindo completamente o uso de espécies exóticas. Além disso, a empresa evita a utilização de pesticidas e produtos químicos nocivos.
“A escolha das espécies introduzidas se baseia na caracterização da vegetação, que foi avaliada por meio de um inventário florestal antes da supressão vegetal em cada platô. As espécies selecionadas incluem castanha-do-pará, copaíba, cumaru, andiroba, angelim, maçaranduba, caju-açu, itaúba e outras”, detalha o responsável pelo viveiro e reflorestamento da MRN, Jocenildo Marinho.
A empresa monitora ainda a restauração ecológica das áreas, com o levantamento de informações dos estudos desenvolvidos antes da supressão vegetal, com base em parâmetros estabelecidos após várias discussões com especialistas, comunidade acadêmica e órgãos ambientais, para definir o momento em que a floresta pode ser considerada ecologicamente restaurada. Atualmente, algumas áreas com mais de 30 anos de replantio já alcançaram nível ecológico que permite dizer que o ecossistema foi restaurado.
COMPARAÇÃO
Com base nas informações dos estudos desenvolvidos antes da supressão vegetal, somadas e confrontadas com novos dados de flora, fauna e solos, é possível comparar as condições ecológicas da floresta original e daquela em restauração. A fase atual é de discussões e pesquisas iniciais sobre o adensamento da floresta com espécies de valor econômico, visando criar oportunidades futuras para as comunidades locais.
“Além de toda a técnica envolvida no reflorestamento, a empresa pesquisa formas de tornar a floresta replantada mais economicamente interessante para as comunidades vizinhas, dando especial atenção às espécies nativas de maior valor econômico”, afirma Marco Antônio Fernandez, gerente geral de licenciamento e controles ambientais da MRN.
BBF recupera 75 mil hectares de áreas degradadas no Pará e em Roraima
O Grupo BBF (Brasil Biofuels) já faz cálculos para o futuro quando o assunto é reflorestamento. Quer plantar mais de 40 milhões de árvores de palma até 2030. Atualmente, são onze milhões as cultivadas pela empresa, que trabalha a palma com foco na produção de biocombustíveis e energias renováveis. São 75 mil hectares de áreas degradadas em recuperação nos Estados do Pará e Roraima.
A empresa estima que as árvores plantadas capturam mais de 800 mil toneladas de carbono por ano. Os investimentos envolvem ainda sistemas agroflorestais, com plantios consorciados de cacau e açaí. Até 2030, 30 mil hectares com cacau e açaí devem ser plantados na região amazônica, o que tornará a companhia a maior produtora individual de cacau do mundo.
"São espécies nativas da Amazônia com alto poder de captura de carbono. É uma satisfação recuperarmos áreas degradadas da região amazônica, contribuindo com o meio ambiente, oferecendo soluções inovadoras para a descarbonização da floresta, além de unir desenvolvimento social em regiões vulneráveis e gerar emprego e renda nesses locais. Para garantir o menor impacto possível das nossas operações no ambiente e nas comunidades ao entorno, realizamos um programa rígido de monitoramento contínuo, que segue indicadores estabelecidos pelo Conselho Nacional do Meio Ambiente”, afirma o CEO do Grupo BBF, Milton Steagall.
INICIATIVAS
Tudo é feito com fertirrigação 100% natural e orgânica. A água do cozimento dos frutos do dendê, rico em vitaminas e nutrientes, retorna pela fertirrigação às áreas de plantio, como uma alternativa sustentável para os tratos culturais necessários da palma. A companhia também realiza a compostagem nas áreas de cultivo, com o uso de adubo orgânico preparado a partir da decomposição dos resíduos de cachos vazios de palma e dos efluentes do processo produtivo.
É um trabalho que se desdobra em várias outras iniciativas, o que prova que o reflorestamento nunca anda sozinho. Entre os programas de monitoramento, áreas prioritárias são identificadas para recuperação ou recomposição vegetal. Para isso, são realizados projetos que priorizam o uso de espécies nativas, considerando o preparo de mudas, a manutenção de áreas revegetadas, a arborização das agrovilas dos polos agroindustriais, a recuperação de áreas de jazida alteradas pela exploração de laterita, o levantamento de produtores rurais locais e preferencialmente familiares para parcerias, além da conscientização dos colaboradores e incentivo aos agricultores parceiros para manter o uso sustentável do solo, sem a utilização do fogo para limpeza de área.
Reflorestar exige conjunto de ações
Pesquisadora do Instituto do Homem e Meio Ambiente da Amazônia (Imazon), Andreia Pinto lembra que a região amazônica já tem 20% de floresta removidos e quase 40% de floresta degradados. Então, antes de reflorestar, é preciso garantir que as árvores que sobraram continuem de pé.
"Prevenir é melhor que remediar, mas precisamos cada vez mais pensar e investir em soluções para restaurar ambientes de corte raso ou que foram desmatados por queimadas. Nas bordas da Amazônia, a perda da cobertura florestal já passa de 70%, como no leste e sul do Pará, além do norte do Estado de Mato Grosso. Lá, reflorestar deve ser o foco", afirma.
Ouça em inglês:
Como plantar árvores é um processo custoso, a regeneração natural assistida precisa entrar na equação do reflorestamento.
"Para dar escala, precisamos acelerar a regeneração natural. Um estudo nosso recente atestou que temos 5,2 milhões de hectares em regeneração natural sem competir com o cultivo de outros grãos, regenerando a Amazônia às proximidades de locais com floresta em pé. As chances de uma área de regeneração natural distante de uma floresta remanescente se desenvolver são menores, pois a proximidade gera mais polinizadores, animais transeuntes, com mais permeabilidade à biodiversidade. E vamos lembrar que a Amazônia é heterogênea. Tudo precisa ser estudado e catalogado. Há ainda uma expressiva quantidade de pequenos produtores rurais que podem ajudar, já que historicamente eles utilizam sistemas agroflorestais, misturando espécies de interesse alimentício com aquelas que irão crescer. Eles precisam ser chamados para o debate do reflorestamento sempre, pois consorciar isso, após uns anos, vai resultar em áreas com espécies variadas", orienta a pesquisadora.
“A economia mundial caminha para cada vez menos desmatamento”
O empresário Peter Fernandez concorda com a pesquisadora do Imazon, Andreia Pinto, quando ela sugere que acrescentar a experiência dos amazônidas ao debate é fundamental. A Mombak, empresa da qual ele é o CEO e fundador, já plantou mais de um milhão de árvores no município de Mãe do Rio, no Estado do Pará, e quer chegar a três milhões até abril de 2024. Para isso, cerca de 50 pessoas da região foram contratadas para atuar como trabalhadores florestais, focados no plantio das mudas. Recentemente, a Mombak fechou uma parceria para reflorestar uma fazenda no município de Tomé-Açu, também no Pará.
Além de recuperar áreas degradadas, gerar renda e sequestrar CO2, as parcerias rurais têm outro objetivo, que é o de ajudar propriedades da região a cumprirem as exigências legais. Um exemplo: as fazendas precisam ter, legalmente, um percentual de mata nativa em pé entre 50% e 80%, mas muitos fazendeiros possuem um déficit nesse número, o que requer adequação.
"Acho que é um caminho de grandes oportunidades porque, se você for olhar a história do Brasil, houve um primeiro pecuarista que topou fazer uma parceria rural de soja. E o Brasil virou o maior exportador de soja do mundo. O mesmo com a cana-de-açúcar. Não deve ter sido fácil, exige coragem e visão. E agora temos essa oportunidade de parcerias de reflorestamento com pecuaristas, gerando emprego e renda, removendo CO2 da atmosfera e criando melhores condições de vida para as gerações futuras", afirma.
Potencial
Segundo Peter, o reflorestamento é um caminho sem volta porque cada vez mais governos e entidades privadas têm notado o alto potencial de geração de renda com essa prática.
"Reflorestamento exige mais empregos do que a pecuária, por exemplo. Na fazenda onde já plantamos um milhão de árvores, eram apenas doze funcionários. Agora são 50. Mais do que a quantidade de empregos, há a questão da qualidade dessas vagas, com pessoas trabalhando de carteira assinada no reflorestamento. Infelizmente, mais no interior da Amazônia ainda são os vínculos informais que prevalecem. Sem contar todos os empregos indiretos e a assistência técnica. E, por fim, há o impacto econômico das florestas no futuro, quando elas estiverem maduras e produzindo valor. Já plantamos seis mil castanheiras. Parece pouco perto de três milhões de árvores, mas elas crescem rápido e geram muitas castanhas. Estimamos que, em dez anos, a coleta de castanhas pode gerar um milhão de dólares por ano. E há muitos outros produtos que podem fortalecer a bioeconomia amazônica, como a coleta de sementes, para que mais reflorestamento ocorra. A economia mundial está caminhando para cada vez menos desmatamento e cada vez mais reflorestamento. E não vejo lugar melhor que a Amazônia para liderar esse processo", avalia o empresário.