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MEIO AMBIENTE

Manejo correto ajuda a reduzir impactos da monocultura do açaí

Projeto investe na capacitação de produtores de município da ilha do Marajó para atender à alta demanda do mercado pelo fruto, preservando a floresta de várzea da região

O Liberal

Camila Guimarães e Alice Morais

29/07/2022

Nativo da floresta amazônica, o açaí é um dos frutos mais populares dentro e até fora do Brasil. Na região Norte do país, faz parte da alimentação rotineira da população, consumido tradicionalmente com peixe, farinha de mandioca ou farinha de tapioca. Mas, por seu potencial de sabor e de valor energético e nutricional, o açaí tem, cada vez mais, ganhado os restaurantes e as prateleiras de mercado ao redor do mundo.

O estado do Pará é o principal produtor do país, responsável por 95% da comercialização local, nacional e internacional, em um mercado que está em crescimento. Segundo dados do Ministério da Economia, compartilhados pelo Centro Internacional de Negócios da Federação das Indústrias do Pará (CIN/Fiepa), nos últimos cinco anos, o número de exportações de açaí quase triplicou no estado, passando de 2.465,16 toneladas, em 2017, para 6.694,63, em 2021. 

Porém, um estudo publicado no periódico científico Biological Conservation alerta para o impacto dessa alta popularidade no meio ambiente. A pesquisa é de autoria do biólogo Madson Freitas, da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), com participação de outros pesquisadores, como a agrônoma do Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG), Ima Vieira. O grupo analisou 47 áreas de floresta no estuário do rio Amazonas, no Pará, ao longo das cidades de Ananindeua, Belém, Barcarena e Abaetetuba, além de três municípios da Ilha do Marajó: Ponta de Pedras, Muaná e São Sebastião da Boa Vista.

A pesquisa, publicada em 2021, constatou que a intensificação do manejo do açaí para suprir altas demandas de mercado causa um empobrecimento da vida e do funcionamento da floresta de várzea,  que é um tipo de formação vegetal característico da Amazônia, marcado pelo movimento de enchente e vazão das marés. “Quando plantas da várzea vão sumindo, isso compromete a funcionalidade da floresta como um todo. Em algumas áreas você tem praticamente uma monocultura do açaí, quando o normal seria ter até 70 espécies diferentes de árvores e palmeiras por hectare nessas áreas”, explicou a pesquisadora Ima Vieira, em entrevista para o portal Mongabay. Dentre as principais consequências da monocultura do açaí, apontadas pelos autores do estudo, estão a diminuição da produtividade da floresta, do número de insetos polinizadores, da fertilidade do solo e decaimento na diversidade de espécies no sub-bosque florestal, ou seja, na área abaixo das árvores de maior estatura, onde cresce a vegetação mais baixa.

O engenheiro florestal e analista da Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária (Embrapa Amazônia Oriental), José Antônio Leite, reconhece o impacto observado pelos pesquisadores e ressalta que a Embrapa desenvolve muitos estudos sobre como esse manejo do açaí pode ser feito de forma mais sustentável. O resultado foi o desenvolvimento da tecnologia “manejo de mínimo impacto de açaizais nativos”, que, desde o início dos anos 2000, traz as recomendações de como manter um número adequado de touceiras de açaí e outras espécies dentro de uma mesma área. 

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Foto: Tarso Sarraf

Menos impacto, mais produção e biodiversidade

José Antônio Leite pontua que na maioria dos casos, a opção pela monocultura é feita por falta de acesso ao conhecimento técnico adequado. “Muitos começam a produzir açaí achando que se focar apenas nesse tipo de palmeira vai ser melhor. Mas o açaizeiro depende de outras vegetações para extrair os nutrientes presentes na camada do solo. Quando se produz em monocultura, os nutrientes tendem a esgotar e a produção chega ao fim. Ou seja, além do produtor gastar dinheiro derrubando as outras árvores para plantar açaízeiro, perde-se biodiversidade e a produção a médio e longo prazo acaba”, esclarece.

“Nós temos mais de 1 milhão de hectares em área de ocorrência de açaizeiro em todo o Pará. A produção dessas áreas sem o manejo correto é de uma tonelada por hectare. Mas, quando se aplica o manejo adequado, a produção pode passar de cinco toneladas por hectare”, ressalta Leite. 

Além da preservação de espécies, mudar o cenário implementando essa tecnologia também beneficiará a economia e a qualidade de vida das comunidades produtoras de açaí, segundo o engenheiro. “O mercado ainda tem uma carência muito grande. Mesmo com o crescimento na produção do açaí, a oferta é baixa em relação à procura, tanto do mercado interno quanto externo. Com o manejo adequado, cada terreno pode aumentar muito mais o volume de produção, gerando mais renda e bem-estar social para a região e para as milhares de famílias produtoras”, enfatiza.

Projeto leva conhecimento a município na Ilha do Marajó

Na Ilha do Marajó, um dos polos de produção do açaí na Amazônia e um dos territórios com menor Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) do Brasil, a divulgação da tecnologia de manejo de mínimo impacto da Embrapa ganhou força, há cinco anos, com o projeto “Manejo de Açaizais Nativos do Marajó”, o “Manejaí”.

O supervisor do Manejaí, Augusto Cesar Andrade, resume que as ações visam garantir a aplicação das boas práticas pelos extrativistas e produtores e fortalecer a cadeia produtiva. Por isso, desde a implementação, foram realizadas ações de acesso a tecnologias e boas práticas de produção, fortalecimento da extensão rural (ensinamentos sobre agricultura, pecuária e economia), organização social e produtiva e inclusão digital.

A primeira cidade a receber o projeto foi Portel, o segundo município mais populoso do Marajó, que possui baixo IDH e diversos desafios de infraestrutura, educação e saúde. “Primeiramente, capacitamos 55 agentes multiplicadores, para que pudessem levar o aprendizado sobre o manejo até as comunidades de Portel, tanto do núcleo urbano, quanto ribeirinhas. Com esse movimento, agora temos mais de 600 extrativistas capacitados e participantes da rede de produtores manejadores”, descreve o supervisor. Como resultado, 2.140 famílias foram beneficiadas, direta e indiretamente, e 107 comunidades foram envolvidas no processo.

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Foto: Vinicius Braga

Financiamento internacional ajuda a manter iniciativa em Portel 

Além da formação técnica, o Manejaí em Portel capacitou 10 agentes de crédito socioambiental para apoiarem na busca por investimentos. Os agentes atuam como intermediadores, entrando em contato com bancos e outras instituições financeiras para mapear as oportunidades de financiamento e de crédito disponíveis. Em seguida, apresentam essas possibilidades aos produtores e, caso haja interesse,  continuam prestando assistência ao longo do processo burocrático. Os recursos obtidos são usados para  colocar as mudanças no manejo em ação, ou seja, contratar mão-de-obra, comprar equipamentos e outras despesas necessárias para adequar os terrenos.

Durante a primeira fase do projeto, com as ações em Portel de 2017 a 2021, os recursos vieram do Fundo Global para o Meio Ambiente (GEF), por meio do Projeto Bem Diverso - fruto da parceria entre a Embrapa e o Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD).

A experiência com o GEF abriu portas para estreitar o relacionamento com a União Europeia (UE), que decidiu investir nas próximas ações da Embrapa na Amazônia, dentre elas a execução do Manejaí durante o período de 2022 a 2025. O investimento foi de aproximadamente R$5 milhões e será usado principalmente para dar continuidade à programação do projeto, além de também ser distribuído para outras iniciativas da Embrapa na região.

Cooperativa - Agora, existe também a Cooperativa Manejaí, responsável por dar continuidade às ações no município de Portel e gerenciar a Central Amazônia, espaço físico criado dentro do projeto para viabilizar encontros, aulas, hospedagem e outros usos da comunidade que tenham como finalidade aumentar a competitividade da cadeia extrativista.

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Foto: Vinicius Braga

Meta é apostar na rastreabilidade do açaí e expansão para outros municípios

 “Agora que o conhecimento já está na comunidade, nosso plano é avançar e, até 2025, focar na estruturação do escoamento da produção (de Portel), lançando, em breve, um aplicativo que permite a rastreabilidade do açaí, o que deve aumentar a relação de confiança do mercado com o produtor”, acrescenta Augusto Cesar, supervisor do Manejaí. 

O Manejaí pretende ainda auxiliar os produtores do município na obtenção da certificação do Ministério da Agricultura, para formalizar os negócios e garantir mais qualidade no açaí da região. Em paralelo, após um período de paralisação por conta das medidas de prevenção à Covid-19, a ideia agora é se reestruturar e retomar o plano de replicar as ações nos municípios de Breves e Muaná, também na Ilha do Marajó.

Assim, o projeto atenderia as três maiores cidades do arquipélago que, em um primeiro momento, podem servir como pólos para cidades vizinhas. Embora ainda não seja possível confirmar quando a expansão acontecerá, a ideia do projeto é, tão logo essa reestruturação permita, discutir coletivamente, em cada município, sobre como será a  proposta de organização social dos agricultores – incluindo a decisão de criar uma nova cooperativa, estruturar ou formalizar alguma já existente, ou ainda unir forças à Cooperativa Manejaí, criada em Portel.

O projeto vem sendo articulado em parceria com uma rede de instituições públicas e não governamentais, como a Empresa de Assistência Técnica e Extensão Rural do Estado do Pará (Emater/PA), secretarias municipais de agricultura, associações comunitárias, sindicatos, entidades de crédito, universidades, dentre outras.

 

A exportação de açaí do Pará nos últimos 5 anos

 

Ano Valor (US$) Toneladas
2017 8.288.673,3 2.465,16
2018 7.134.687 2.100,29
2019 10.264.021,2 3.545,21
2020 13.206.470,4 5.394,39
2021 20.732.727,6 6.694,63

Fonte: ComexStat - 18/03/2022 Elaboração: CIN/FIEPA - 2022