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CRIANÇAS AMAZÔNICAS

Alfabetização é porta de entrada para a cidadania

Mais de R$ 222 milhões investidos pelo Ministério da Educação (MEC) no bioma entre junho de 2023 e maio de 2024 alcançaram cerca de 1,8 milhão de estudantes

Camila Azevedo

06/06/2024

A alfabetização de crianças na idade certa, entre 6 e 7 anos, é considerada uma etapa fundamental à superação de barreiras e desafios ao pleno desenvolvimento da Amazônia. Para especialistas, ensinar meninos e meninas que vivem no bioma a ler e a escrever, além de cumprir uma agenda de direitos, proporciona a preparação para a plena vivência da cidadania e é um dos caminhos cruciais para se evitar a perpetuação da pobreza e das desigualdades sociais na região.

Apesar dos empecilhos que a própria estrutura geográfica e o contexto da Amazônia impõem, com rios substituindo, muitas vezes, as ruas, e grandes distâncias de deslocamento, oferecer educação básica de qualidade tem gerado resultados animadores para a população: os mais de R$ 222 milhões investidos pelo Ministério da Educação (MEC) no bioma entre junho de 2023 e maio de 2024, seja em infraestrutura física e pedagógica, formações e avaliações, alcançaram cerca de 1,8 milhão de crianças com materiais complementares de apoio à alfabetização.

Os dados fazem parte dos primeiros resultados do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, iniciativa do governo federal, em parceria com estados e municípios, que visa garantir o ensino da leitura e da escrita completo até o fim do 2º ano do ensino fundamental nas escolas públicas. Crianças do 3º, 4º e 5º ano afetadas pela pandemia de covid-19 entraram no foco do programa. Na Amazônia, os maiores investimentos são no Maranhão, de R$ 54 milhões; no Amazonas, R$ 52 milhões; e no Pará, R$ 44 milhões – estados que também despontam com grande quantidade de alunos alfabetizados na idade certa.

O total de repasses contemplou o desenvolvimento de políticas locais de alfabetização, a construção de cantinhos de leitura nas escolas e a formação de gestores e professores. Mais de 536 mil alunos dos nove estados que fazem parte do bioma – Acre, Amapá, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia, Roraima e Tocantins – foram avaliados para a obtenção dos resultados da região. As metas do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada para 2024 definem, agora, os novos rumos que deverão ser seguidos para alavancar o ensino.

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Ensinar meninos e meninas do bioma a ler e a escrever é um dos caminhos para se evitar a perpetuação da pobreza e das desigualdades sociais (Foto: Thiago Gomes / O Liberal)

Desafios

Os números são considerados um bom começo, mas ainda há muito a ser feito para combater os gargalos presentes no ensino de escrita e leitura. Segundo Júlia Ribeiro, oficial de educação do Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), a não alfabetização das crianças em idade certa afeta toda a trajetória escolar, abrindo portas para os subempregos e para o não exercício da cidadania plena. E, nesse sentido, um grande desafio é identificado: manter esses meninos e meninas nos locais de aprendizagem. “Essa faixa etária é o segundo maior grupo daqueles que não estão nas escolas”, diz.

E esse cenário gera preocupação com a manutenção das estatísticas socioeconômicas do bioma. “Quando a gente fala de alfabetização, é fundamental ter um preâmbulo sobre o quanto ela deveria ser considerada a prioridade das prioridades, porque uma criança que esteja alfabetizada, que seja capaz de ler textos, histórias, placas na rua, bulas de remédios, alimentos em supermercados, é uma criança inserida no mundo que a gente tem. Dar essa possibilidade de cidadania para elas vai ter um impacto no desenvolvimento escolar e na vida”, afirma Júlia.

Busca ativa mapeia crianças que estão fora da escola

Uma das táticas criadas pelo Unicef para combater a evasão escolar e impulsionar as taxas de alfabetização na Amazônia, é a busca ativa. Há sete anos é utilizada uma metodologia social que faz uso de uma plataforma para elencar diretrizes para apoiar estados e municípios na identificação de crianças que estejam fora das escolas. Com isso, a entidade mapeia os motivos que levam a essa realidade, implementando programas e propondo políticas públicas que visam garantir a rematrícula dos alunos.

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“A estratégia procura se adequar à realidade do território”, diz Júlia Ribeiro (Foto: UNICEF BRASIL)

“A estratégia procura se adequar à realidade do território. O governante decide pela estratégia e se vai trabalhar com a realidade dos municípios e com o que se tem de apoio. [A busca ativa] vai desde o cruzamento de cadastros para identifica-los [os alunos], bem como bater de porta em porta”, explica Júlia Ribeiro. As mais diferentes formas são adotadas para alcançar crianças que estão fora da escola. “Agentes comunitários de saúde, que fazem essa pergunta inicial, considerando a realidade da Amazônia, visitas a centros de referência e assistência social, técnicas da escola que fazem essa visitação domiciliar”, completa a representante do Unicef.

Invisibilidade do bioma se reflete na educação

A educação infantil amazônica, conforme aponta a professora doutora Marilena Loureiro, líder do grupo de estudos e pesquisa em Educação, Cultura e Meio Ambiente do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (Naea/UFPA), é inviabilizada. Os números do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, apesar de demonstrarem um avanço, também revelam as distâncias em que esse campo ainda está, ressalta a pesquisadora. “E isso é muito correlato a um processo de invisibilização da região, do ponto de vista de suas necessidades, realidades, formações econômicas, sociais e diversidade”.

“O tratamento que a política pública ou educacional dirige a problemática amazônica não pode se manter em uma linha de homogeneização, como se fossemos iguais; há de se considerar nossa diversidade, dilemas e dificuldades que os sistemas de educação permanecem tendo no que se refere a conseguir ampliar essa oferta e de forma qualitativa – porque essa é uma outra preocupação. Não interessa apenas ampliar, em termos quantitativos, o acesso das crianças à educação. A gente precisa ampliar, na mesma medida, a condição de permanência, e permanência com qualidade”, acrescenta Loureiro.

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Pesquisadora vê um processo de invisibilização da região, do ponto de vista de suas necessidades, realidades, formações econômicas, sociais e diversidade (Foto: Arquivo pessoal)

Motivos

A incompreensão do problema que está sendo enfrentado, quando o assunto é alfabetização de crianças na Amazônia, é destacado pela professora como um dos motivos principais que devem ser combatidos para melhorar as ofertas de ensino – fator que permanece fragilizando a educação infantil. “[Isso] implica em um ensino fundamental fragilizado, um ensino médio fragilizado… Enquanto o poder público brasileiro, nas várias esferas, não desenvolver condições para que esse processo se efetive de forma plena, a gente vai ficar rodando em círculos sem conseguir, de fato, avançar”.

Alfabetização no Pará considera diversidade regional

A taxa de alfabetização no Pará, em 2023, ficou em 48%. O estado é um dos mais importantes do bioma e tem feito uso da diversidade regional da Amazônia em livros e materiais didáticos, aliado à uma base científica comum para todos, para desenvolver a leitura e a escrita dos alunos. O total de investimentos que a Secretaria de Estado de Educação (Seduc) fez, desde o início do Alfabetiza Pará – programa no contexto do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada –, foi de R$ 60 milhões. Até o fim de 2024, cerca de R$ 80 milhões devem ser usados.

A meta do governo federal para o Pará é que 54% das crianças estejam alfabetizadas até o fim de 2024. Rossieli Silva, titular da Seduc, diz que a atuação está sendo em conjunto com os municípios para que todos os propósitos sejam alcançados. “Isso é inédito. A gente chama de regime de colaboração. Não adianta o estado crescer e os municípios, não. É importante que todas as crianças sejam alfabetizadas. Passamos a imprimir material de alfabetização para todas as redes. O que é feito para os nossos professores, é feito para as redes municipais”.

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“Não adianta o estado crescer e os municípios, não. É importante que todas as crianças sejam alfabetizadas. Passamos a imprimir material de alfabetização para todas as redes”, diz Rossieli Silva, titular da Seduc (Foto: Ascom / Seduc)

Reforço escolar

Com os resultados, a pasta viu que era possível acelerar o processo de alfabetização no estado. Assim, o Bora Alfabetizar foi criado. “[Iniciamos] o processo de contratação de professores para reforço escolar, tanto no contraturno, quanto em fins de semana; havendo a demanda, a gente autoriza essa contratação. [Temos] um processo forte de acompanhamento, criamos uma estrutura na secretaria, uma área que cuida do 1º ao 5º ano, com técnicos de acompanhamento pedagógico que visitam as escolas semanalmente para ver se estão cumprindo [as propostas]”, conclui Rossieli.

Diagnóstico dos alunos é fundamental

Todo início de ano letivo a Escola Estadual de Ensino Fundamental Presidente Castelo Branco, localizada no bairro de Val-de-Cans, em Belém, capital do Pará, realiza um processo de diagnóstico dos alunos em idade de alfabetização. O objetivo é identificar quais as dificuldades de leitura e escrita deles para que o trabalho seja melhor direcionado. Katy Tavares, professora do 2º ano, explica que essa fase é prioritária para o andamento de todos os trabalhos na instituição. “É um trabalho em conjunto, mas a gente dá atenção àquela criança que precisa de um apoio”, diz.

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“O maior desafio é a questão socioeconômica familiar”, afirma Katy Tavares, professora do 2º ano (Foto: Thiago Gomes / O Liberal)

As aulas ministradas por Katy são interdisciplinares e fazem uso de jogos pedagógicos, rodas de leituras diárias, bingos de formações silábicas e confecção de bilhetes. “A leitura amplia o conhecimento, é uma viagem. Proporcionar aos alunos esse conhecimento, e muitos só tem esse contato na escola, infelizmente, é uma realidade social nossa, amplia vocabulário, torna os alunos conscientes, questionadores, respeitosos… São cidadãos e têm direitos e para eles terem conhecimento dos próprios direitos é a leitura que proporciona”, completa a professora.

Família

A escola promove plantões pedagógicos para envolver as famílias dos alunos na alfabetização. Para Katy, porém, esse ainda é um grande entrave na formação dos alunos. “O maior desafio é a questão socioeconômica familiar. Essa questão interfere muito na aprendizagem da criança. Ela absorve tudo isso e acaba trazendo para sala de aula. Em sala, somos professor, psicóloga… Temos que ter um olhar amplo, observar aquela criança, se está desanimada, o que ocorreu… Então, essa base familiar é fundamental e importante para a escola. É uma união, tem que andar de mãos dadas”, afirma.

Resultados de 2023 do Compromisso Nacional Criança Alfabetizada

No País:

Brasil - 56%

Nos estados amazônicos*:

Amapá - 42%
Amazonas - 52%
Maranhão - 56%
Mato Grosso - 55%
Pará - 48%
Rondônia - 65%
Tocantins - 44%

*Acre e Roraima não fizeram as avaliações estaduais em 2023

Fonte: MEC

Parceria Institucional 

A produção do Liberal Amazon é uma das iniciativas do Acordo de Cooperação Técnica entre o Grupo Liberale a Universidade Federal do Pará. As reportagens que envolvem pesquisas e estudiosos da UFPA são revisadas por profissionais da academia. A tradução do conteúdo é também realizada pelo acordo, através do projeto de pesquisa ET-Multi: Estudos da Tradução: multifaces e multisemioses.