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VIDA NO BIOMA

Amazônia tem quase 500 espécies ameaçadas de extinção

Lista que embasa políticas públicas não é atualizada todos os anos. Pesquisadores defendem monitoramento de ações que colocam em risco a biodiversidade da região.

Ádria Azevedo | Especial para O Liberal

13/09/2024

O bioma amazônico brasileiro tem atualmente 477 espécies ameaçadas de extinção. Destas, 218 são espécies da fauna e 259 da flora típicas da região, em risco por conta das interferências humanas na natureza. Pesquisadores avaliam que é preciso maior frequência na atualização dessa lista, que hoje inclui animais como a onça pintada, o gavião real, o peixe-boi, o sauim-de-coleira e a ararajuba, além de árvores como o mogno-brasileiro, o pau-rosa e a castanheira. A ferramenta é crucial para orientar políticas públicas que ajudem a minimizar mais perdas e monitorar ações humanas como o desmatamento, a poluição e as queimadas, entre outras ameaças que se somam aos efeitos das mudanças climáticas, que tanto impactam os ecossistemas.


Os dados sobre as ameaças às espécies amazônicas são frutos de pesquisas de duas iniciativas. Para a fauna, há o Sistema de Avaliação do Risco de Extinção da Biodiversidade (Salve), do Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio). Já a flora é estudada pelo Centro Nacional de Conservação da Flora (CNCFlora), ligado ao Jardim Botânico do Rio de Janeiro.


Ambos adotam as categorias de ameaças de extinção estabelecidas pela União Internacional para a Conservação da Natureza e dos Recursos Naturais (UICN): vulnerável, em perigo ou criticamente em perigo - a mais grave das três. Os números consideram o total de espécies avaliadas quanto ao risco de extinção, dentro do universo de espécies conhecidas em cada bioma brasileiro.


Na Amazônia, o Salve avaliou 6.719 espécies animais para chegar às 218 ameaçadas, com dados atualizados em 2024: são 135 animais na categoria vulnerável; 50 em perigo; e 33 na criticamente em perigo, totalizando cerca de 3% das espécies avaliadas.

 


Foram estudados pelo CNCFlora 1.625 espécies, das quais 85 foram classificadas como vulneráveis, 148 em perigo e 26 criticamente em perigo. Os dados são da última atualização da lista, em 2022, e foram sistematizados pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Os números correspondem a quase 16% das espécies pesquisadas.

 

Ameaças

A bióloga Ana Prudente, doutora em Zoologia e pesquisadora do Museu Paraense Emílio Goeldi, explica que o processo de extinção de espécies é algo natural na história evolutiva dos seres vivos. “Ocorre quando há o completo desaparecimento de um determinado organismo. Na Terra, existiram grandes ciclos de extinção, e nós atualmente estamos no sexto. O que acontece é que, hoje, a espécie humana tem interferido de forma muito significativa nessa extinção”, esclarece.

 

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A bióloga Ana Prudente explica que o processo de extinção de espécies é algo natural na história evolutiva dos seres vivos. “O que acontece é que, hoje, a espécie humana tem interferido de forma muito significativa nessa extinção”, esclarece (Foto: Thiago Gomes / O Liberal)


A zoóloga aponta os principais vetores responsáveis por esse processo. “Agropecuária, desmatamento, ocupação irregular do solo, pastagem, introdução de espécies exóticas em ambientes onde elas não existiam, alterações climáticas que vêm, em grande parte, das ações antrópicas, ou seja, das ações dos seres humanos. Tudo isso gera a perda de habitats e um processo de extinção mais acelerado. Então, hoje, a Amazônia sofre essas pressões e isso reflete muito no número de espécies que têm algum grau de ameaça”, completa.


A especialista lembra que os riscos à fauna são mais acentuados onde há maior perda da cobertura vegetal, no chamado Arco do Desmatamento da Amazônia. Trata-se de uma área de 500 mil quilômetros quadrados que começa no oeste do Maranhão, passa pelo leste e sul do Pará e pelo Mato Grosso, até chegar na parte ocidental da região, em Rondônia e no Acre.


Ana Prudente ressalta que existem espécies bastante sensíveis às mudanças, que por isso correm mais riscos. “Por exemplo, os anfíbios, que são os sapos, as rãs e as pererecas, fazem parte de um grupo que sofre muito com as mudanças climáticas, porque são animais que precisam de um ambiente específico para reproduzir e viver. Então, eles são considerados como indicadores do ambiente”, esclarece a pesquisadora. Ela lembra ainda os endemismos, que são as espécies que só ocorrem em determinada região e em nenhuma outra no mundo inteiro.


É o caso de um lagarto estudado por ela, da espécie Stenocercus dumerilii, classificado com o status de vulnerável. “É um lagartinho que é endêmico aqui no Pará e no Maranhão. Essas espécies endêmicas merecem atenção dos pesquisadores sobre o grau de conservação, porque se as áreas onde esses animais vivem são extintas, eles simplesmente deixarão de existir”, alerta.

 

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Gavião-real é uma das 477 espécies em risco de extinção no bioma (Foto: Arquivo O Liberal)

Espécies podem desaparecer sem terem sido estudadas

O também biólogo e doutor em Zoologia Samuel Gomides, professor colaborador do Programa de Pós-Graduação em Biodiversidade da Universidade Federal do Oeste do Pará (Ufopa), reforça os riscos que correm as espécies endêmicas. “Na região próxima a Manaus (AM), por exemplo, existem o sapo-manauara e o sauim-de-coleira (uma espécie de sagui). São animais extremamente sensíveis às mudanças ambientais e que vivem em espaços com grande perda de áreas naturais. Se nada for feito para frear essas perdas, em breve essas espécies estarão extintas”, lamenta.


Para o pesquisador, o número de espécies ameaçadas tem aumentado nos últimos anos em função da perda das florestas. Ele lembra que há espécies que podem desaparecer sem nem mesmo terem sido conhecidas pelos cientistas. “Ainda há muita riqueza nas florestas, campinaranas e várzeas amazônicas que precisam ser estudadas e avaliadas pela ciência. Faltam recursos e profissionais para explorar a imensidão da Amazônia brasileira e falta segurança também. Basta lembrar dos inúmeros ambientalistas mortos. Estudar, conhecer e preservar a Amazônia é caro e inseguro”, avalia.

 

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Biólogo Samuel Gomides: “Faltam recursos e profissionais para explorar a imensidão da Amazônia brasileira e falta segurança também. Estudar, conhecer e preservar a Amazônia é caro e inseguro". (Foto: Arquivo pessoal)

Problema vai além da morte de animais

Samuel Gomides afirma que ameaças como desmatamento, mineração, queimadas, caça ilegal e contaminação das fontes de água doce potencializam os impactos das mudanças climáticas. A desregulação do clima torna mais difícil a produção de frutos, prejudicando os animais que se alimentam deles e, consequentemente, também os animais maiores, carnívoros. “Muitos peixes podem morrer ou ter dificuldade de se reproduzir, o que gera um efeito em cascata em toda floresta, que funciona como uma engrenagem complexa. Quando peças são perdidas, esse motor começa a apresentar problemas, a floresta inteira pode se comprometer. Isso é muito grave”, adverte.


A perda da biodiversidade pode ter sérias consequências, com o desequilíbrio das funções ecológicas que cada organismo desempenha. “A floresta Amazônica é megadiversa e com relações ecológicas complexas entre as espécies que abriga. Estas ameaças à vida selvagem comprometem as populações animais, as funções de cada um, os serviços ecossistêmicos prestados por esses organismos. Por isso, o problema vai além do número de mortes de animais”, pontua o professor.


Ele exemplifica que os mamíferos são responsáveis por várias funções, como a dispersão de sementes. Já os anfíbios controlam a população de invertebrados e são bons indicadores da qualidade da água. Espécies de aves também controlam populações de invertebrados e espalham sementes. Integradas, as várias espécies ajudam a manter o ambiente equilibrado. “Por esta razão, documentar a mortalidade de animais pode ajudar a alertar para os potenciais impactos ecossistêmicos”, ressalta Gomides.

 

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Castanheira-do-Pará, uma das gigantes da Amazônia, está sendo estudada para a atualização da lista de espécies da flora ameaçadas no estado do Pará (Foto: Valter Campanato / ABR)

Listas de ameaçados precisam de atualização

O trabalho de avaliação e documentação desenvolvido pelo ICMBIO e pelo CNCFlora conta com apoio de pesquisadores de várias outras instituições do País, como o Museu Paraense Emílio Goeldi (MPEG). Ana Prudente explica que o órgão de pesquisa paraense foi responsável por elaborar a primeira lista de espécies da fauna ameaçadas do Pará. Porém a relação não é renovada há alguns anos, o que não é indicado.


“Essas listas precisam ser o tempo todo atualizadas, porque esses fatores [de ameaças] e essas mudanças ocorrem a cada ano. A gente vê os números de desmatamento, que aceleram com o passar dos anos. É por isso que essas listas são tão importantes, para nortear as políticas públicas”, diz a pesquisadora.


Além de ter participado da construção da lista da fauna, o MPEG participa da atualização da lista da flora ameaçada no Estado, em parceria com o Instituto de Desenvolvimento Florestal e da Biodiversidade do Estado do Pará (Ideflor-Bio). A última lista estadual foi lançada em 2008, quando havia 53 espécies vegetais em risco. A previsão é que a nova relação seja lançada até outubro.

 

Estão sendo analisadas 269 espécies

De acordo com Anna Ilkiu-Borges, doutora em Ciências Naturais, pesquisadora da Coordenação de Botânica do Museu Goeldi e líder da iniciativa, a ideia é reavaliar as 53 espécies da lista antiga, além das que constam na lista nacional, para obter um panorama detalhado sobre a atual situação em que se encontra a flora amazônica no território paraense. “Depois de um processo de revisão taxonômica, chegamos a um recorte de 269 espécies que estão sendo analisadas, seguindo a metodologia do CNCFlora”, informa a botânica.

 

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“É preciso saber as espécies que se tem que conservar, quais espécies estão sendo utilizadas em grande escala pela população e, assim, adotar planos de ação para que elas sejam preservadas", diz Anna Ilkiu-Borges, pesquisadora da Coordenação de Botânica do Museu Goeldi. (Foto: Carmem Helena / O Liberal)


Ela explica que a lista deverá ser utilizada para a elaboração de políticas públicas de preservação, para a construção de planos de manejo e para identificar as áreas prioritárias. “É preciso saber as espécies que se tem que conservar, quais espécies estão sendo utilizadas em grande escala pela população e, assim, adotar planos de ação para que elas sejam preservadas, orientar cortes seletivos de madeira ou apoiar o extrativismo nas comunidades”, enumera.

 

União

Para o professor Samuel Gomides, da Ufopa, evitar processos de extinção passa necessariamente por mitigar as mudanças climáticas, combatendo desmatamentos, queimadas e implementando os acordos ambientais globais.
“Teremos, nos próximos anos, um momento chave para a sobrevivência da floresta amazônica. Precisamos da união da população, setores governamentais, cientistas e toda a sociedade, entendendo a importância de conciliar o desenvolvimento ao meio ambiente. Só assim conseguiremos reverter esse futuro, que pode ser trágico”, afirma.
 

 

PARCERIA INSTITUCIONAL
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