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BELEZAS NATURAIS

Turismo é opção de prosperidade para o deslumbrante Marajó

Com praias paradisíacas, búfalos e rico artesanato, ilha atrai visitantes do Brasil e do exterior

Fabyo Cruz

01/02/2024

A ilha do Marajó, localizada no estado do Pará, Norte do Brasil, faz parte do maior arquipélago fluviomarítimo do mundo, banhado por rios e pelo oceano Atlântico. Com 16 municípios e área de aproximadamente 50 mil km², a região é maior que os territórios do Rio de Janeiro e do Espírito Santo. A deslumbrante beleza natural do local atrai a atenção de turistas do País e do exterior, que a experiência única do contato com a natureza amazônica.

O Marajó tem três grandes atrativos: suas praias paradisíacas, a presença marcante dos búfalos e de um rico artesanato. Em contraste às suas abundâncias, o lugar é um dos mais pobres do País, e o turismo é visto como uma das alternativas mais viáveis para se promover o desenvolvimento e gerar prosperidade para a sua população.

Um dos símbolos da cultura marajoara, os búfalos chegaram à região no século XVII. Atualmente, o Marajó abriga o maior rebanho bubalino do Brasil, com mais de 600 mil cabeças, o que equivale a 40% do total nacional, de acordo com dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE). Durante a década de 1990, o número de búfalos ultrapassou o de bois, tornando-se uma das principais bases econômicas do Marajó, começando com a produção de leite, que é utilizado na fabricação de um queijo tradicional que se tornou uma marca da região.

Queijo

A produção do queijo é diferente durante os períodos de safra e entressafra, explica Eduardo Portal, 32 anos, gerente da Fazenda Portal, produtora de queijo in natura do Marajó, em Soure, uma das mais procuradas cidades marajoaras. A safra se inicia no mês de junho e vai até novembro, já a entressafra vai de dezembro a maio, diz Eduardo. Ele afirma que durante a safra a empresa costuma manter entre dez e doze funcionários, e ao longo da entressafra conta com cerca de cinco colaboradores. O gerente destaca que, no fim de 2023 e início de 2024, o arquipélago sofre com as mudanças climáticas, que aumentaram a seca dos rios, fazendo com que a qualidade do leite reduzisse. Na região, houve registros da morte de búfalos e queima natural de pasto.

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A produção do queijo é diferente durante os períodos de safra e entressafra, explica Eduardo Portal, 32 anos, gerente da Fazenda Portal. (Foto: Igor Mota / O Liberal)

“Foi tudo muito novo para a gente, pois a Fazenda Portal existe apenas há quatro anos, então, esse foi o primeiro verão que nós sentimos forte. Nós nos preparamos, pensávamos que tínhamos nos preparado adequadamente, mas na verdade não nos preparamos. Diminuiu drasticamente a quantidade do queijo. Tivemos que diminuir o quadro de funcionários, com um aperto no coração. Tivemos que mudar o nosso cronograma de produção para que comportasse pelo menos a venda aqui dentro da cidade. Temos esperanças que as coisas possam melhorar a partir de junho”, espera Eduardo Portal.

Viver e trabalhar no Marajó

Aos 64 anos, Sandra Cruz, natural da cidade marajoara de Cachoeira do Arari, vive em Soure, onde possui um restaurante na praia do Pesqueiro, uma das mais deslumbrantes do Marajó. Mãe de dois filhos adultos, “já criados”, e avó de uma menina de 4 anos, se considera privilegiada por morar em uma região costeira e ainda poder trabalhar no local. “Nasci na praia do Arari, mas, por conta da erosão, desapareceu. Sou privilegiada por morar aqui em Soure. Se você chegar, por exemplo, às 6h, eu estou aqui. Se vier às 20h, eu estou aqui também para atendê-los. Em junho do ano passado recebemos muitos estrangeiros, e nunca tivemos dificuldades de atendê-los porque geralmente eles vêm com guias turísticos. E a gente também arrisca um bocadinho de inglês”, conta.

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“Você chega na praia, vai experimentar aquele turu fresquinho, um molusco que é o Viagra do Marajó. Você vai degustar o nosso peixe, fresquinho”, afirma Sandra Cruz, que tem um restaurante na praia do Pesqueiro, em Soure. (Foto: Igor Mota / O Liberal)

Os períodos do ano que mais movimentados e lucrativos para os donos de bares e restaurantes da região são janeiro e julho. Os feriados prolongados também atraem muitos visitantes. A grande demanda de excursionistas exige que os empresários do ramo aumentem os estoques de alguns produtos não perecíveis, como bebidas em geral, assim como ampliem o número de funcionários.

Para Sandra, a estrutura de acesso ao Marajó ainda precisa melhorar para atrair mais turistas ao município. Mesmo assim, a empreendedora garante que o Marajó é um lugar indispensável para se visitar: “O Marajó é um ótimo lugar, Soure é a pérola do Marajó, e a praia do pesqueiro é o nosso cartão postal. Você chega na praia, vai experimentar aquele turu fresquinho, um molusco que é o Viagra do Marajó. Você vai degustar o nosso peixe, que não é aquele peixe congelado, é aquele peixe fresquinho. E pode pedir um filé de peixe com molho de camarão, feito na hora, o peixe é bem feito”.

Hotelaria

Outro ramo beneficiado em julho é a hotelaria. Reginaldo Barros, 73 anos, nasceu em Soure e possui um hotel na cidade com cerca de 30 anos de existência. “Temos mantido esse empreendimento com muita dificuldade, porque nós temos um turismo aqui sazonal, com épocas que nós temos bastante gente, mas tem épocas que também não temos muitos turistas. Na época de julho, por exemplo, nós temos aqui as férias escolares, chega temos problemas até com superlotação. Depois dessa época, ao longo do ano, vem o Carnaval e o Ano-Novo. Aqui no hotel nós temos 14 suítes que estão à disposição dos hóspedes com ar-condicionado, frigobar e banheiro privativo, e sempre procuramos tratar os visitantes da melhor maneira possível para que eles se sintam bem confortáveis aqui na ilha do Marajó”, diz ele.

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“Sempre procuramos tratar os visitantes da melhor maneira possível para que eles se sintam bem confortáveis aqui na ilha do Marajó”, diz Reginaldo Barros, dono de um hotel em Soure. (Foto: Igor Mota / O Liberal)

Para facilitar a hospedagem, o hotel está cadastrado em sites e os visitantes podem reservar acomodações. Ele conta que as pessoas que deixam para fazer suas reservas próximo ou no mês de julho acabam não conseguindo encontrar lugar para ficar nas principais regiões turísticas do marajoaras, como Soure e Salvaterra, por falta de vagas. Tal como Sandra Cruz, na opinião do empresário, para que o Marajó se consolide como rota turística nacional e internacional é fundamental que haja melhorias no fluxo de transporte, para que as pessoas tenham mais tranquilidade ao visitar o Marajó e, como consequência disso, o turismo pode se concretizar com a atividade principal aqui da ilha.

Natureza extraordinária seduz turistas

A amazonense Ellen Melo, 28 anos, se encantou com a praia da Barra Velha, reserva extrativista marinha de Soure. Foi a primeira vez da turista e sua família no arquipélago marajoara. Ela conta que na viagem ao Pará tinha como destino inicial a praia de Alter do Chão, em Santarém, no Baixo Amazonas, mas por conta do pouco tempo disponível ficou inviável. Foi então que ela decidiu ir para Soure e ficou surpreendida com as belezas naturais da cidade. Ellen reside em Manaus, capital do Amazonas, mas nasceu no município de Autazes, que, segundo ela, tem uma semelhança com as cidades marajoaras: a criação de búfalos.
“A gente já ouvia falar em Soure, no Marajó, pela fama dos búfalos. Lá no nosso município também tem búfalos. Autazes é o maior produtor de leite de búfalos do Amazonas, então a gente sabia que a capital dos búfalos é aqui em Soure, mas a gente não sabia que as praias eram tão bonitas. Tudo é muito bonito, ficamos bastante surpresos. Eu vim para cá com a minha mãe e o meu pai. A gente já está pretendendo trazer a família toda para vir visitar. Quero trazer o marido também, trazer a minha irmã, meu irmão e meus amigos. Com certeza irei recomendar o Marajó para todo mundo que está em busca de um local bonito para conhecer”, afirma Ellen Melo.

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“A gente sabia que a capital dos búfalos é aqui em Soure, mas a gente não sabia que as praias eram tão bonitas. Tudo é muito bonito, ficamos bastante surpresos”, afirma a amazonense Ellen Melo. (Foto: Igor Mota / O Liberal)

Tranquilidade

A praia do Pesqueiro virou o recanto da Família Costa, sobretudo, por conta da sua tranquilidade, afirmou Rafael Costa, 55 anos. Acompanhado do filho Francisco, 10, e da esposa Andreia Ferreira, 39, o servidor público disse que de Belém com objetivo de passar quatro dias em Soure. “Me sinto seguro ao visitar o Marajó. Podemos sair à noite, pedalar de bicicleta, porque a cidade de Soure é calma, aconchegante, sem poluição sonora. Aqui, na praia do Pesqueiro, por exemplo, não entra carro. A praia da Barra Velha é a mesma coisa. Meu filho pode brincar tranquilamente na areia, andar de búfalo, conseguimos fazer coisas que não podemos fazer em outros lugares”, disse Rafael. Já Andreia comentou sobre o passeio que a família fez pela Praia Grande de Joanes, em Salvaterra: “Fomos à praia de Joanes, é muito boa! A praia é muito boa para tomar um banho, e o peixe de lá é muito bom!”.

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“Meu filho pode brincar tranquilamente na areia, andar de búfalo, conseguimos fazer coisas que não podemos fazer em outros lugares”, diz o servidor público Rafael Costa. (Foto: Igor Mota / O Liberal)

Arte marajoara mobiliza mulheres

Os souvenirs marajoaras são uma forma de levar um pouco do Marajó consigo após a viagem. Natural de Soure, a escultora de cerâmica e designer de arte Tifany Macedo, 24, comercializa ecojoias com grafismo marajoara há três anos. A empreendedora afirma que a comercialização dos seus acessórios agregam para a região com o embelezamento e empoderamento feminino. A artista também promove oficinas de fabricação de biojoias e grafismo marajoara para que as mulheres, a partir desse conhecimento compartilhado por Tifany, possam garantir renda. “Possuo uma loja chamada Jandira. A gente faz as oficinas semanalmente, não com muitas mulheres, porque não temos estrutura ainda, mas tentamos passar o que a gente já sabe, da questão da modelagem, da montagem e da venda”, explica a empreendedora.

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“Possuo uma loja chamada Jandira. A gente faz as oficinas semanalmente, não com muitas mulheres, porque não temos estrutura ainda, mas tentamos passar o que a gente já sabe, da questão da modelagem, da montagem e da venda”, conta a escultora de cerâmica e designer de arte Tifany Macedo (à esquerda). (Foto: Igor Mota / O Liberal)

A cultura marajoara tem tudo para ganhar o mundo, acredita a designer de moda Rosilda Angelim, 53, natural de Salvaterra, que atua no mercado há cerca de 30 anos e, há dois anos, possui um empreendimento onde comercializa roupas e acessórios marajoaras: a loja Cañybo. “Eu quero que a cultura marajoara ganhe o mundo. Ela é a nossa ancestralidade, é o nosso povo, está no nosso sangue. Então, se a gente daqui da terra, ‘terrâneo’, não fizer com que isso aconteça, nossos netos, bisnetos, não vão ter mais uma a cultura marajoara para ver. E fora que isso aqui é uma fortuna para a gente, é de onde tiramos o nosso sustento, Isso não vai parar nunca porque o Marajó não vai sumir do mapa. Então, se a gente não divulgar a nossa ancestralidade, nós que moramos aqui, que somos filhos daqui, vai ficar difícil para a gente. Então, é uma importância gigantesca, e eu me sinto muito grata por isso”, disse Rosilda.

Professor vê turismo como solução

Para o professor Silvio Figueiredo, educador e pesquisador do Núcleo de Altos Estudos Amazônicos da Universidade Federal do Pará (Naea/UFPA), o turismo no Marajó pode ser uma das principais soluções mais tangíveis para fomentar o progresso e desencadear prosperidade às pessoas que habitam no arquipélago desde que o poder público o trate com responsabilidade. O pesquisador destaca que os municípios da região apresentaram os mais baixos Índices de Desenvolvimento Humano (IDH).

“Há falta de seriedade para tratar o turismo na região, e isso influencia no IDH do Marajó. Tenho muitos trabalhos sobre a região, e mais recentemente estive lá durante os anos de 2020 e 2021. Percebemos a falta de novas programações e atividades para se fazer no Marajó. Em Soure, a comunidade da Vila do Pesqueiro desenvolve um turismo de base comunitária. E seria interessante se esse potencial das comunidades pudesse ser mais explorado. Por exemplo, os turistas poderiam se hospedar nas casas de pescadores que residem próximo à praia e conhecer a rotina deles, suas práticas como a pesca e a captura de crustáceos, e fazer atividades no mangue. Isso é um diferencial importante para trazer turistas para o Marajó. Há muita gente querendo participar desses roteiros turísticos”, afirma o pesquisador.

Qualificação

O presidente da Associação dos Municípios do Arquipélago do Marajó (Amam) e prefeito de Soure, Carlos Augusto de Lima Gouvêa, conhecido na região como Guto Gouvêa, discorda de que a agricultura informal tenha crescido no arquipélago, e diz que esses dados não são registrados pelo IBGE. Entretanto, ele defende que os habitantes da ilha sejam qualificados: “Primeiro, dentro dos dados oficiais do IBGE nós temos esse IDH mais baixo, nós temos pobreza na ilha, mas muita coisa que o Marajó produz lá não é registrado. Há uma vida informal, por exemplo, o Marajó das florestas, eu acho que a produção de açaí não é informada nem 10% disso, então há um crescimento dessa produção, mas ela não é feita com o empreendedorismo correto. Nós precisamos transformar o marajoara em um vendedor. Uma vez que eles saibam como vender esse nosso produto, nós vamos ter muitos micro e médios empresários, e a moeda começa a girar”.

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“Nós precisamos transformar o marajoara em um vendedor. Uma vez que eles saibam como vender esse nosso produto, nós vamos ter muitos micro e médios empresários, e a moeda começa a girar”, diz o prefeito de Soure, Guto Gouvêa. (Foto: Igor Mota / O Liberal)

Indicação Geográfica (IG) do queijo do Marajó

Reconhecido: 2021
Abrange: Cachoeira do Arari, Chaves, Muaná, Ponta de Pedras, Santa Cruz do Arari e Soure.

Quatro cidades marajoaras estão entre os dez menores IDHs do Brasil

Melgaço (1ª) – IDH: 0,418
Chaves (6ª) – IDH: 0,453
Bagre (8ª) – IDH: 0,471
Cachoeira do Piriá (9ª) – IDH: 0,473

Fonte: IBGE/Pnud, 2013