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IMPASSE

Exploração de petróleo na Amazônia: entre o avanço e a sustentabilidade

Projeto de exploração de petróleo na Margem Equatorial opõe Petrobras, que estima US$ 2 bilhões em investimentos para as atividades na região, e Ibama, que considera a proposta inviável do ponto de vista ambiental

Eduardo Laviano

19/05/2023

O Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) negou, na última quarta-feira (17), a licença de exploração de petróleo no litoral do Amapá, requerida pela Petrobras. 

A Petrobras anunciou que irá recorrer da decisão a partir de um pedido de reconsideração no âmbito administrativo e afirmou que atendeu “rigorosamente todos os requisitos do processo de licenciamento”. 

Já o governador do Amapá, Clécio Luís, avalia acionar a Justiça para derrubar a decisão do Ibama.

O debate sobre a prospecção de petróleo na foz do rio Amazonas voltou à tona após o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, dar seguidas declarações defendendo o projeto no último mês. 

Por enquanto, a empresa estatal planeja perfurar um poço a cerca de 160 km da costa de Oiapoque, no estado do Amapá, ponto que está a cerca de 500 quilômetros da foz do rio Amazonas propriamente dita. 

O objetivo é comprovar a viabilidade econômica do projeto. A foz do rio Amazonas faz parte da Margem Equatorial, área tida como a nova fronteira exploratória do petróleo no Brasil e que será estratégica para a matriz energética nacional, segundo a empresa. 

Ela compreende desde o litoral do Amapá até o estado do Rio Grande do Norte, com uma extensão de 2.200 quilômetros. Até 2026, a Petrobras estima realizar US$ 2 bilhões em investimentos para as atividades exploratórias em toda a região.

No final de abril de 2023, porém, técnicos do Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e Recursos Naturais Renováveis (Ibama) recomendaram que fosse negado o pedido da Petrobras para furar o poço em busca de petróleo. 

Na avaliação técnica do órgão, o empreendimento é inviável do ponto de vista ambiental. O parecer sobre o licenciamento do chamado bloco 59 é um dos documentos que embasou a decisão do presidente do Ibama, Rodrigo Agostinho, de não conceder a licença de operação para a Petrobras.


De acordo com o parecer, a previsão dos impactos da atividade nas três terras indígenas da região do Oiapoque é frágil. 

Além disso, o corpo técnico do Ibama apontou incertezas em relação ao plano apresentado pela Petrobras para o atendimento à fauna em caso de acidente com derrame de óleo. Segundo o documento, há ainda insegurança técnica e jurídica por não ter sido feita uma avaliação mais ampla da compatibilidade entre a indústria petrolífera e o contexto social e ambiental da região.

Em entrevista ao Grupo Liberal no final de abril, o presidente do Ibama observou que a região abrangida pelo projeto da Petrobras para exploração de petróleo é bastante sensível e com alta diversidade. 

"O regime de maré é diferente, não são praias, são manguezais, tem muitas comunidades tradicionais", pontuou. 

Segundo ele, em anúncio oficial na última quarta-feira (17), "não restam dúvidas de que foram oferecidas todas as oportunidades à Petrobras para sanar pontos críticos de seu projeto, mas que este ainda apresenta inconsistências preocupantes para a operação segura em nova fronteira exploratória de alta vulnerabilidade socioambiental".

Já o presidente da Petrobras, Jean Paul Prates, tem sido cada vez mais enfático no apoio ao projeto, sempre destacando que se trata de um estudo inicial. 

"A localização do primeiro poço que queremos perfurar não é no rio Amazonas, mas em alto-mar, a 500 quilômetros da foz desse rio. Essa é a distância equivalente entre o Rio e São Paulo. A perfuração do primeiro poço será um trabalho temporário, com duração prevista de apenas cinco meses. Em quase sete décadas de trajetória, a gente se orgulha de nunca ter registrado um vazamento ou blow out durante a atividade de perfuração em alto-mar. Com os resultados da fase de investigação e perfuração, a sociedade terá o direito de saber qual é o real potencial dessa área, a partir daí vamos aprofundar o debate sobre a continuidade ou não do projeto", afirmou em entrevista para o jornal O Globo.

Petróleo pode gerar oportunidades

No total, há ainda 47 blocos na Margem Equatorial em “oferta permanente” pela Agência Nacional de Petróleo (ANP) e 157 em estudo para serem levados a leilão. A Petrobras tem seis blocos já arrematados com as empresas Total (40%) e BP (30%), em 2013, em leilão da Agência Nacional do Petróleo (ANP). 

Na opinião do engenheiro Rafael Teixeira, diretor executivo da empresa America Support Services, a sinalização contrária do corpo técnico do Ibama é preocupante. Ele avalia que a prospecção de petróleo na região só traria benefícios para a população. 

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Rafael Teixeira avalia que a prospecção de petróleo na região só traria benefícios para a população (Thiago Gomes/O Liberal)

Além disso, Teixeira ressalta que a pandemia de covid-19 atrasou os planos globais de transição de matriz energética, fazendo dos combustíveis fósseis ativos ainda mais valiosos para o Brasil. Teixeira também pontua que depois de 100% verificado, o início da prospecção deve começar somente daqui cinco anos, ou seja, em 2028.

"A transição verde depende muito de tecnologia, que depende de microchips e minerais. A pandemia retardou a oferta dessas matérias-primas. Já temos estudos de solo, geológicos e ultrassom do leito marinho. Pelas características do solo e pela proximidade com a bacia da Guiana, a chance de petróleo é de 90%. Mas, para sabermos 100%, é preciso iniciar os estudos. Há expectativa de que seja três vezes maior que a bacia de Campos. Creio que o projeto vai trazer pleno desenvolvimento para o estado, abrindo uma nova fronteira econômica que nunca tivemos aqui. Temos o exemplo em Macaé, no Rio de Janeiro, com riqueza e oportunidades que melhoraram a vida do povo. Em toda a história da Petrobras, nunca houve um acidente com sonda. É a companhia mais tecnológica e capacitada que há", diz.

Comunidades temem impactos na área costeira e "boom" migratório

Formado por nove comunidades, o Comitê Gestor do Protocolo Beira Amazonas vê com preocupação o avanço do debate. 

O amapaense Aldemir Corrêa, técnico em extensão rural e vice-presidente do Comitê, avalia que a discussão ainda está restrita aos gabinetes em Brasília, com pouca participação popular. 

"Não somos contra o progresso, mas se ele não envolver as comunidades tradicionais da região, quem são os beneficiários desse progresso? Não se fala sobre compensações financeiras por conta dos impactos ambientais ao nosso modo de vida. Esquecem que somos ribeirinhos, que muitos de nós vivemos da pesca. Temos muito a contribuir para as políticas públicas acerca da exploração do petróleo aqui", afirma.

Segundo Corrêa, o desafio agora é criar uma massa social coesa e consciente dos possíveis desdobramentos do projeto, que podem impactar cinco mil famílias no litoral amapaense, que possui 263 quilômetros de extensão e engloba nove dos dezesseis municípios do estado. Ele acredita que somente assim será possível cobrar das autoridades maior participação no processo.

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Comitê Gestor do Protocolo Beira Amazonas é formado por nove comunidades (Instituto Terroá)

Para Luís Barbosa, da organização Observatório do Marajó, o impacto na área costeira precisa ser avaliado com cautela, especialmente nas áreas sedimentares entre o rio e o mar. Ele afirma que a ilha do Marajó, no Pará, também pode ser impactada. 

"Esse plano existe desde 2014, entre idas e vindas. Não é à toa que não avançou, por conta da incompatibilidade ambiental. No último governo houve alguns avanços e agora está em fase de licenciamento. A Petrobras, que tem o objetivo de levar o negócio a frente, precisa da licença do Ibama. Mas é preciso transparência e participação da população. A Petrobras realizou algumas reuniões, mas de caráter técnico, não de audiência, de consulta. Foi uma em Soure e outra em Belém. Precisamos ter mais audiências públicas para o projeto avançar com transparência", defende.

Barbosa ressalta que, além dos ribeirinhos e quilombolas extrativistas, o município de Oiapoque abriga três comunidades indígenas. 

Segundo ele, há impactos menos visíveis que precisam ser levados em consideração: os grandes empreendimentos geralmente ocasionam um "boom" de migração para municípios pequenos, com pouca infraestrutura. Com mais circulação de pessoas, os índices de violência e outros crimes tendem a crescer.

"Isso ocorre porque muitas vezes as promessas de emprego não se realizam ou não são duradouras. Vimos problemas sociais com grandes projetos em outras experiências, como em Altamira a partir da construção da Usina Hidrelétrica de Belo Monte".

Transparência

Para Flávia Guedes, assistente de projetos do Instituto Mapinguari, as pretensões da Petrobras têm avançado de maneira mais forte nos últimos anos. 

"Precisa ter uma avaliação criteriosa e realista dos possíveis riscos e danos e que essa ação seja compartilhada com a sociedade, com acesso às informações sobre estudos ambientais. Buscamos mais participação, de maneira clara e multidisciplinar", diz.

Risco de vazamento e transporte aéreo são pontos sensíveis

De acordo com o relatório do Ibama, obtido pelo site Sumaúma, a exploração de petróleo na região exige que alguns pontos sejam considerados. 

Em relação ao impacto nas terras indígenas, onde vivem cerca de 8 mil pessoas, o parecer cita que em fevereiro deste ano, em reunião com o Conselho de Caciques dos Povos Indígenas do Oiapoque e outras entidades, a Petrobras reconheceu que os voos de helicóptero entre o aeroporto da cidade e o navio-sonda que mantém na área do chamado bloco 59 desde agosto do ano passado já estavam afetando os povos originários, afugentando a fauna necessária para sobrevivência nas aldeias, dificultando a caça de subsistência.

Na ocasião, a estatal se comprometeu a alterar a altitude desses voos. No entanto, de acordo com o documento, o aumento estimado de 3.000% do tráfego aéreo durante a atividade de prospecção de petróleo exigiria a elaboração de uma nova Avaliação de Impacto Ambiental para o caso específico das terras indígenas.

O parecer técnico do Ibama também rejeita o Plano de Proteção à Fauna (PPAF) apresentado pela Petrobras como parte do Plano de Emergência Individual (PEI). 

De acordo com o texto, todas as alternativas propostas pela empresa para o resgate e transporte dos animais afetados por um eventual vazamento preveem um tempo muito longo para esse socorro e não levam em conta a possibilidade de mudanças abruptas nas condições climáticas na área do bloco 59, que afetariam o tempo e a viabilidade da navegação e dos voos.


O parecer lembra que, dadas as especificidades da costa do Oiapoque, que não permitem o atracamento de navios de grande porte, toda a estrutura marítima de suporte às atividades da Petrobras estaria baseada em Belém, a 830 quilômetros do poço – distância percorrida em 43 horas, em média, por embarcações. Mesmo com lanchas rápidas, o deslocamento da capital paraense até o bloco 59 seria de, no mínimo, 26 horas.